1. Introdução: um processo simbólico para a justiça angolana
O julgamento do processo n.º 38/2022, no Tribunal Supremo de Angola, envolvendo generais influentes como Manuel Hélder Vieira Dias Júnior (“Kopelipa”) e Leopoldino Fragoso do Nascimento (“Dino”), bem como empresas como a China International Fund (CIF), tornou-se um marco de repercussão nacional e internacional.
Trata-se de um processo com grande carga simbólica: acusações de peculato, branqueamento de capitais, falsificação de documentos, abuso de poder e associação criminosa foram levantadas contra figuras que simbolizam décadas de poder ligado ao antigo regime de José Eduardo dos Santos.
A juíza relatora, Anabela Valente, tem estado no centro da polémica. Suas decisões processuais mais do que apenas técnicas, são vistas por muitos analistas como cruciais para a credibilidade do sistema judicial angolano. Este artigo analisa seis das decisões mais controversas da magistrada, com base nos factos documentados e em análises público‑disponíveis.
2. Histórico do processo
O processo 38/2022 foi oficialmente aberto e julgado no Tribunal Supremo, com 38 declarantes anunciados para a fase de produção de provas.
A audição dos arguidos começou a 10 de março de 2025, conforme anúncio oficial do Tribunal Supremo.
As acusações foram formuladas pelo Ministério Público e incluem peculato, burla por defraudação, falsificação de documentos, associação criminosa, abuso de poder, branqueamento de capitais e tráfico de influência.
A leitura do acórdão, segundo o Tribunal Supremo, foi marcada para 17 de novembro de 2025.
Este cronograma e amplitude do processo mostram o desafio logístico e judicial que a relatora, Juíza Valente, enfrenta.
3. Perfil da Juíza Anabela Valente e seu papel no processo
A relatora é Dra. Anabela Valente, Juíza Conselheira do Tribunal Supremo.
No processo, ela tem como adjuntos os juízes conselheiros Raúl Rodrigues e Inácio Paixão.
O volume do processo (mais de 2.000 páginas, 38 testemunhas) foi destacado pela própria juíza como justificativa para a complexidade das audiências.
Em várias sessões, a juíza deve lidar com ausências de arguidos e representantes de empresas, decisões sobre defensores oficiosos e logística processual sensível.
Por essas razões, suas decisões processuais têm forte impacto não apenas legal, mas também institucional e simbólico.
4. Decisão controversa 1: gestão de adiamentos e prazos
O que aconteceu:
Em dezembro de 2024, o Tribunal Supremo adiou o julgamento para 10 de março de 2025.
Em março de 2025, uma sessão foi suspensa porque a China International Fund (CIF) Angola não compareceu nem constituiu representante legal.
A juíza Valente decidiu nomear um defensor oficioso para a CIF, para regularizar a sua representação.
Por que é controverso:
Os sucessivos adiamentos são criticados por prejudicar a obtenção de prova e por desgastar a defesa. O advogado Benja Satula, representando outras empresas acusadas, afirmou que esses adiamentos “criam aqui um constrangimento e uma angústia” para produzir prova.
A nomeação de defensor oficioso para a CIF sugere que a empresa não estava adequadamente representada, o que pode desequilibrar o processo.
Alguns analistas veem essa gestão de prazos como reflexo de uma magistrada que tenta acomodar a complexidade institucional, mas ao custo da eficiência processual.
Implicações institucionais:
A demora compromete a efetividade do direito de defesa.
Pode gerar desconfiança pública sobre a imparcialidade, porque se trata de figuras poderosas e de empresas com grande relevância econômica.
Em um Estado de Direito ideal, zelar pela celeridade judicial é parte fundamental para garantir justiça substantiva.
5. Decisão controversa 2: nomeação de defensor oficioso para a CIF
O que aconteceu:
A CIF Angola, arguida no processo, não compareceu ou constituiu mandatário inicial nas sessões.
A juíza Valente decidiu nomear um defensor oficioso para essa empresa.
Quando a fase de produção de provas foi iniciada (em junho de 2025), o processo já contava com este defensor.
Por que é controverso:
Nomear defensor oficioso é legal, mas significa que a CIF pode estar numa posição mais frágil para defender os seus interesses, especialmente em um julgamento com potenciais implicações financeiras pesadas.
Alguns críticos apontam que isso pode dar vantagem à acusação, porque a parte acusada tem advogado designado, mas possivelmente menos envolvimento ou eficácia estratégica do que um advogado privado.
A decisão de prosseguir com a CIF apesar da sua ausência simbólica (empresa poderosa, relevante no processo) levanta questões sobre igualdade de armas.
Perspectiva de analistas:
Juristas e advogados do processo já expressaram preocupação de que o contraditório (direito de ser ouvido com igualdade) está comprometido.
Alguns observadores argumentam que essa decisão da juíza pode ser justificada por uma necessidade prática (assegurar que a empresa tenha representação), mas deveria ter sido acompanhada por medidas adicionais para garantir participação eficaz.
6. Decisão controversa 3: contestação da representatividade da CIF e condução à revelia
O que aconteceu:
Em maio de 2025, representantes do Estado negaram que este tivesse participação acionista na CIF Angola.
O tribunal, segundo a juíza Valente, notificou a CIF repetidamente, sem resposta, e decidiu prosseguir com o julgamento mesmo sem a participação ativa da empresa (“à revelia”).
O defensor oficioso apresentou contestação em nome da CIF.
Por que é controverso:
Prosseguir à revelia pode afetar gravemente o direito de defesa, especialmente para uma empresa arguida com grandes implicações econômicas.
A ausência de representantes da CIF pode prejudicar a apresentação de provas que seriam cruciais para a sua defesa, como ativos, participação societária, documentos financeiros.
Existe uma crítica de que a juíza deveria ter garantido meios mais robustos para a defesa da CIF antes de avançar sem ela.
Implicações para o Estado de Direito:
A decisão reforça a necessidade de equilíbrio: permitir que o processo avance, mas sem sacrificar a justiça formal.
Se a revelia for mal gerida, o julgamento pode ser visto como parcial ou injusto, o que compromete a legitimidade das decisões do Tribunal Supremo.
A credibilidade do sistema jurídico depende de que todas as partes, mesmo empresas poderosas, possam exercer plenamente seus direitos de defesa.
7. Decisão controversa 4: notificação e prazos de audiência e a falha no contraditório
O que aconteceu:
A CIAM informa que os arguidos foram notificados para a audiência de leitura da acusação apenas cinco dias antes do começo do julgamento.
A juíza Valente justificou a complexidade do processo (2.000+ páginas) como uma das razões para a necessidade de ajustes e adiamentos.
Por que é controverso:
Notificar apenas cinco dias antes pode violar princípios legais de prazo mínimo para preparar a defesa, dependendo das normas processuais aplicáveis.
A combinação de curto prazo de notificação e volumes enormes de processo (evidências) impõe um grande ônus sobre a defesa para se preparar adequadamente.
Críticos argumentam que isso prejudica a igualdade de condições entre acusação e defesa, uma vez que a defesa pode não ter tempo suficiente para análise profunda dos autos.
Análise de juristas:
Alguns advogados do caso afirmam que esta prática compromete o “princípio do contraditório”: a defesa deve ter tempo e meios para preparar respostas, questionar testemunhas, e estudar documentos.
De um ponto de vista institucional, esta decisão sugere que a juíza está a recorrer a manobras processuais para contornar dificuldades logísticas, em vez de reforçar a participação plena das partes.
8. Decisão controversa 5: motivação em um processo altamente complexo
O que sabemos:
O tribunal anunciou que a fase de produção de provas ocorre “à porta fechada” para ouvir os 38 declarantes.
A juíza relatora mencionou publicamente a complexidade do processo como justificativa para o ritmo das audiências.
Por que é controverso:
Um processo desse tamanho e importância exige fundamentação robusta das decisões judiciais, pois cada decisão (adiamento, nomeação, revelia) deve estar bem motivada para resistir a eventuais recursos.
A “porta fechada” para certas sessões de produção de provas pode reduzir a transparência, especialmente para um caso de interesse público elevado.
A falta de acesso público ao acórdão integral, até agora (segundo fontes pesquisadas), dificulta a avaliação externa da motivação da juíza.
Risco institucional:
Se a motivação for superficial ou pouco detalhada, a decisão pode ser vista como arbitrária ou vulnerável a impugnação.
A transparência e a legitimidade da sentença dependem de uma explicação clara sobre por que determinadas medidas (adiamentos, representação, revelia) foram tomadas.
Uma motivação frágil pode minar a confiança de cidadãos, advogados e analistas no papel do Tribunal Supremo como guardião do Estado de Direito.
9. Decisão controversa 6: transparência pública e acesso ao acórdão
O que é público:
O Tribunal Supremo agendou a leitura do acórdão para 17 de novembro de 2025.
Apesar disso, até o momento não encontrei versão pública disponível online do acórdão completo, com fundamentos jurídicos detalhados, no site do Tribunal Supremo ou em outras fontes oficiais. (Pesquisa feita nas páginas do tribunal e outras fontes jornalísticas.)
A CIAM e outros meios noticiaram o número de declarantes e algumas decisões processuais, mas não disponibilizaram transcrição integral do acórdão.
Por que é controverso:
A ausência de publicação integral compromete a transparência do julgamento, essencial para um caso de alto impacto nacional.
Sem acesso ao acórdão, juristas, académicos, mídia e cidadãos não podem analisar plenamente a motivação da juíza, os critérios de julgamento, nem possíveis falhas ou vieses.
Isso pode prejudicar a legitimidade institucional: para ser crível, uma sentença que envolve figuras poderosas e temas sensíveis precisa ser visível e bem explicada.
Proposta de solução:
Exigir a publicação do acórdão completo, com versões para o público geral e para profissionais jurídicos.
Fornecer sinopses jurídicas (resumos) que permitam entender os fundamentos sem leitura técnica completa.
Aumentar a transparência nos processos de tribunais superiores para restaurar ou fortalecer a confiança pública.
10. Análise de juristas e observadores
Embora haja limitações de acesso ao acórdão completo, vários analistas já levantaram críticas sobre a forma como algumas decisões da juíza Valente têm sido tomadas:
Advogados da defesa (como Benja Satula) lamentam a falta de igualdade de tratamento no contraditório, especialmente com a ausência de representantes da CIF e nomeação de defensor oficioso.
Observadores institucionais destacam que, para um julgamento desta natureza, a motivação das decisões deve ser exemplar, dado o simbolismo para a justiça angolana.
Especialistas em Estado de Direito argumentam que a transparência e o respeito ao processo são tão importantes quanto a condenação ou absolvição propriamente dita: sem credibilidade processual, a justiça corre o risco de ser percebida como instrumento político.
11. Impacto institucional e para o Estado de Direito
As decisões da juíza Valente no processo Kopelipa/Dino têm implicações que vão além deste caso:
Confiança pública: como este julgamento tem grande visibilidade, a forma como o processo é conduzido pode fortalecer ou abalar a confiança dos cidadãos no sistema judicial.
Precedente para futuros casos: se medidas como a nomeação de defensores oficiosos ou a condução à revelia forem usadas sem salvaguardas, isso pode se tornar prática em outros processos sensíveis.
Credibilidade internacional: a comunidade observadora (incluindo investidores, organismos internacionais e mídia) acompanhará de perto como o Tribunal Supremo lida com esse tipo de caso — sua reputação institucional está em jogo.
Reforço ou fragilização do Estado de Direito: decisões judiciais bem motivadas e transparentes fortalecem a ideia de que a justiça em Angola é imparcial e técnica; decisões opacas ou controversas podem reforçar narrativas de seletividade ou politização.
12. Conclusão
As seis decisões controversas da juíza Anabela Valente no caso Kopelipa/Dino evidenciam um equilíbrio delicado entre necessidade processual e exigência institucional.
Alguns atos (como a nomeação de defensor oficioso ou a condução à revelia) podem estar legalmente justificados, mas levantam questões sérias de igualdade de armas.
A gestão de prazos e adiamentos revela desafios operacionais, mas também riscos para o direito de defesa.
A falta de acesso público ao acórdão completo é talvez o ponto mais sensível: sem transparência plena, a legitimidade do veredito — seja absolvição ou condenação — pode ser contestada.
Recomendações para reforçar a credibilidade do sistema judicial:
Publicar o acórdão completo (ou uma versão resumida tecnicamente precisa) para permitir escrutínio público.
Garantir que partes ausentes (como a CIF) tenham representação adequada e plena participação.
Revisitar políticas processuais para equilibrar celeridade e respeito ao contraditório em processos complexos.
Promover uma cultura judicial de transparência, onde decisões controversas sejam motivadas de forma detalhada e acessível.
Somente com essas medidas pode o julgamento de figuras tão simbólicas servir não apenas para punir ou absolver, mas para fortalecer a confiança institucional e consolidar um verdadeiro Estado de Direito em Angola.
Fontes e Referências
Tribunal Supremo de Angola – “Julgamento do processo n.º 38/2022 que envolve os generais Dino e Kopelipa entra hoje para a fase de produção de provas.” Link
Deutsche Welle – “Julgamento de Kopelipa e Dino volta a ser adiado.” 31/03/2025. Link
Tribunal Supremo de Angola – “Começou o julgamento do processo nº 38/2022 em que são arguidos Manuel Hélder Vieira Dias Júnior ‘Kopelipa’ e Leopoldino Fragoso do Nascimento.” Link
Tribunal Supremo de Angola – “Tribunal Supremo agenda leitura do acórdão do processo em que são arguidos os generais ‘Dino’ e ‘Kopelipa’.” Link
CIAM – Centro de Imprensa Aníbal de Melo – Notícias sobre o processo e produção de prova. Link
Tribunal Supremo de Angola – “Julgamento do processo nº 38/2022 em que são arguidos Manuel Hélder Viera Dias ‘Kopelipa’ e Leopoldino Fragoso do Nascimento adiado para 10 de março de 2025.” Link
Tribunal Supremo de Angola – “Tribunal Supremo dá início à fase de produção de provas no julgamento do processo n.º 38/2022.” Link
Deutsche Welle – “Caso ‘Kopelipa’ e ‘Dino’: Estado nega participação acionista na CIF.” 13/05/2025. Link
CIAM – Centro de Imprensa Aníbal de Melo – Notícias complementares sobre o julgamento e declarantes. Link


6 Decisões Controversas da Juíza Anabela Valente no Caso Kopelipa
Por Paulo Muhongo
💬 E você, o que pensa?
Será que decisões como estas fortalecem a confiança dos cidadãos na justiça angolana, ou a enfraquecem perante os olhos da sociedade e da comunidade internacional?
6 Decisões Controversas da Juíza Anabela Valente no Caso Kopelipa
Análise detalhada das decisões controversas da juíza Anabela Valente no julgamento de Kopelipa e Dino. Saiba como gestão de prazos, defensores oficiosos e revelia impactam a justiça em Angola.
POLITICAECONOMIA
11/17/202510 min ler
