an abstract photo of a curved building with a blue sky in the background

A Arte de Parar

Enquanto o mundo se afoga na urgência dos dias, eu escolhi o silêncio — esse lugar onde o tempo abranda e a alma respira. Recusei a pressa que consome, os ponteiros que ferem, a rotina que esvazia.

REFLEXÕES

5/16/20252 min ler

Na serenidade que o amanhecer me oferece, preparo o pequeno-almoço como quem se oferece um presente: ovos mexidos com salsa fresca, bacon ainda estaladiço, tomatinhos com sabor a horta, pão quente com manteiga a derreter, uma taça fumegante de café com leite, sumo de laranja acabado de espremer e um cesto de uvas maduras que quase parecem luz em bagos.

Enquanto o mundo desperta lá fora, eu permaneço neste silêncio que escolhi.

Observo, da minha janela, dois pais que apressam os filhos a caminho da escola.
Nos seus rostos não há vestígios de alegria, nem um gesto de ternura distraída.
Só pressa.
Só o peso de uma rotina repetida, sem alma, sem tempo, sem norte.

E pergunto-me:
Onde foi parar o tempo?

Nunca tivemos tantos meios para poupar minutos e atalhar distâncias.
Vivemos rodeados de tecnologia, de transportes, de facilidades...
E, no entanto, os dias parecem cada vez mais curtos.
Como se já não tivessem vinte e quatro horas.
Ou como se nunca as tivéssemos verdadeiramente vivido.

Corremos.
Corremos sem saber bem para onde.
Como sombras atrás de um sol que já se pôs.
Corremos atrás de um tempo que nos escapa por entre os dedos,
de um sentido que se perdeu na velocidade,
de uma paz que se esqueceu de nós.

Mas eu escolhi parar.
Renunciei à correria.
Quis voltar a pertencer ao instante.
Ser inteiro onde estou.
Escutar o silêncio.
Saborear o agora.

E mesmo assim, continuo a perguntar-me:
Quando é que as pessoas têm tempo?

Durante o trabalho, entendo a sua ausência.
Mas mesmo nas folgas, aos fins-de-semana, nas férias... continuam a correr.
Correm como se quisessem recuperar algo que nem sabem ter perdido.
Mas perdido onde?
Em horas gastas em ecrãs?
Em jogos, notificações, redes que pouco ou nada ligam?

E para onde vai esse tempo "recuperado",
se nunca sobra tempo — nem sequer — para respirar?

Apressam-se para viajar, para conhecer países longínquos,
quando mal conhecem o bairro onde vivem,
o vizinho da porta ao lado,
a árvore do jardim que muda com as estações.

Dizem que procuram o novo, o diferente,
mas regressam mais vazios do que partiram.

Eu, que observo em silêncio, fiz outro caminho.
Decidi não viajar para fugir.
Só partirei quando for para descansar verdadeiramente.
Para encontrar o silêncio.
Para repousar no vazio pleno que nos liberta do ruído do mundo.

Conheci um francês, certa vez, em Lisboa.
Disse-me que viajou por todo o mundo,
mas confessou, com um sorriso cansado,
que nada disso lhe preencheu a alma.

Perguntei-lhe o que trouxe dessas viagens.
Que lugares lhe ficaram gravados no coração?
E ele, depois de hesitar, respondeu apenas:
"Eram bonitos. Lembro-me dos nomes."
E nada mais…
nem uma lembrança que lhe acendesse o olhar.

Então pergunto:
É só isso que queremos guardar das viagens?
Nomes? Fotografias? Itens riscados de uma lista?

Das poucas viagens que fiz, esqueci os nomes.
Mas recordo o cheiro da terra molhada,
as cores vivas dos mercados,
os risos das crianças,
o olhar cansado, mas doce, de quem me serviu uma refeição simples.

Lembro-me da humanidade.

Em cada lugar, tentei tratar todos com dignidade.
Não sou perfeito — nem perto disso —
mas acredito que a verdadeira elegância está em ser humano.
Em respeitar.
Em escutar.
Em olhar nos olhos e reconhecer o outro como igual.

Por isso, renunciei à correria.
Para voltar a viver devagar.
Para permitir que o tempo me atravesse,
em vez de passar por ele apressado e ausente.
Para recordar não os nomes, mas as emoções.
Para voltar a pertencer à vida.

Quais são as tuas impressões ?