As recentes afirmações do deputado Pedro Frazão, de que os cidadãos das ex‑colónias portuguesas “inundam” Portugal para usufruir de uma civilização que rejeitaram, merecem uma análise mais profunda. A independência política conquistada por países como Angola não significou automaticamente autonomia económica ou institucional. A migração, os laços económicos e a presença portuguesa nos antigos territórios coloniais revelam que a narrativa simplista de “rejeição da metrópole” seguida de “uso da metrópole” ignora realidades estruturais, históricas e simbólicas.

Este artigo pretende responder às declarações de Pedro Frazão explorando: a distinção entre independência formal e autonomia real; as migrações entre Angola e Portugal; as relações económicas entre Portugal e Angola; a presença portuguesa em Angola e noutras ex‑colónias; e uma reflexão crítica sobre o futuro dessas relações.

Independência formal versus autonomia real

A independência formal de Angola (em 1975) foi um marco político, mas a realidade mostra que as estruturas económicas e institucionais continuaram fragilizadas. O relatório do Banco de Portugal indica que em Angola o petróleo representa cerca de 65 % das receitas fiscais e 95 % das exportações. Outro estudo do International Monetary Fund revela que cerca de 83 % do PIB beneficiam diretamente das variações do preço do petróleo.

Este nível de dependência torna Angola altamente vulnerável a choques externos e aponta para uma autonomia económica limitada. A economia carece de diversificação e de uma base institucional capaz de sustentar crescimento inclusivo .

Deste modo, afirmar que a independência implicou automaticamente “autossuficiência” ou “ruptura total com a metrópole” é ignorar que muitos mecanismos de poder, económicos e institucionivos permanecem marcados por legados coloniais ou pela dependência de recursos externos.

Migração das ex‑colónias para Portugal

Os fluxos migratórios entre Angola e Portugal são significativos. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 2022 os angolanos representavam cerca de 14 % dos imigrantes em Portugal. Um estudo académico publicado em Comparative Migration Studies mostra que existe migração recíproca entre Portugal e Angola, e que os migrantes portugueses em Angola são frequentemente vistos como “habilitados”, enquanto os angolanos em Portugal acabam muitas vezes por ser considerados “não‑habilitados”.

Os motivos da migração incluem a busca por educação superior, emprego e melhores condições de vida. Ao olhar apenas para a narrativa de Pedro Frazão, omite-se o contexto de alunos angolanos que escolhem Portugal para estudar devido à língua, à herança académica e às oportunidades.

Relações económicas e interdependência

Portugal e Angola mantêm uma relação económica complexa, baseada em interdependência. Angola continua dependente do petróleo e tem de enfrentar o problema da diversificação económica. Um analista da African Business explica que “oil really commands our economy because 95 % of the value of our exports comes from oil” . Um artigo recente indica que 94 % das exportações angolanas nos primeiros nove meses de 2024 provinham do petróleo e do gás .

Esta dependência económica explica por que Portugal continua a ter papel relevante nas trocas comerciais e investimentos com Angola. A riqueza de muitos portugueses ainda está ligada à atividade económica nas ex-colónias, demonstrando a interdependência persistente e contradizendo a ideia de que a metrópole se tornou independente das antigas colónias.

Presença portuguesa nas ex‑colónias

A presença de portugueses em Angola em setores como educação, medicina, comércio e construção revela que o movimento de pessoas e capital não foi unidirecional. Portugueses ocupam cargos de responsabilidade mesmo sem formação superior, enquanto muitos angolanos em Portugal enfrentam barreiras na valorização da sua formação académica.

Essa realidade evidencia que em Angola portugueses continuam a ter oportunidades superiores às de muitos angolanos, enquanto a mobilidade e o reconhecimento da qualificação profissional em Portugal permanecem limitados. A diversidade de profissionais estrangeiros em Angola, incluindo portugueses, russos, vietnamitas e ucranianos, mostra que a mobilidade global é uma realidade e não um aproveitamento da metrópole.

Crítica à visão de rejeição da civilização portuguesa

A ideia de que as ex-colónias “rejeitaram a civilização portuguesa” ignora os laços linguísticos, culturais e institucionais persistentes. A independência significou afirmação de soberania nacional, mas não negação da herança portuguesa. A presença de portugueses em Angola e o fluxo de investimento e conhecimento mostram que a civilização é uma via de mão dupla e que as desigualdades estruturais continuam a moldar quem tem oportunidades e reconhecimento.

Reflexões para o futuro

Para avançar para uma relação equilibrada entre Portugal e as ex-colónias da lusofonia, é necessário:

  • Reconhecer a migração como fenómeno legítimo de mobilidade e oportunidade.

  • Valorizar a formação académica e profissional dos migrantes angolanos em Portugal.

  • Apoiar a diversificação económica nas ex-colónias para garantir autonomia real.

  • Reforçar parcerias económicas baseadas na reciprocidade e não em dependência histórica.

  • Reconhecer a língua e cultura compartilhadas como instrumentos de união, não de superioridade.

Conclusão

As ex-colónias conquistaram independência política, mas não autonomia plena. A migração entre Angola e Portugal, a presença portuguesa nas ex-colónias e os fluxos de capital mostram que a relação é de interdependência assimétrica. A narrativa de “inundação” e “aproveitamento da civilização” simplifica uma história complexa e ignora as estruturas históricas, económicas e sociais que moldam essa realidade.

Responder a essa narrativa exige compreensão baseada em dados, análises de especialistas e reconhecimento da mobilidade global e das desigualdades estruturais. Só assim será possível construir relações justas e equilibradas entre a metrópole e os países lusófonos.

Fontes e Referências

A Falsa Narrativa de Pedro Frazão sobre a ‘Inundação’ das Ex-Colónias Portuguesas

Por Paulo Muhongo

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A Falsa Narrativa de Pedro Frazão sobre a ‘Inundação’ das Ex-Colónias Portuguesas

Análise crítica da falsa narrativa de Pedro Frazão sobre a ‘inundação’ das ex-colónias portuguesas, explorando a migração Angola Portugal e a interdependência económica entre Portugal e os países lusófonos.

POLITICAECONOMIA

11/5/20254 min ler