Como Angola gasta milhões em celebridades internacionais enquanto o povo sofre

Resumo Executivo

Nos últimos anos, Angola tem investido milhões do erário público para trazer artistas internacionais e personalidades desportivas como Mariah Carey, Nicki Minaj, Alcione e Lionel Messi. Estes eventos são apresentados como demonstrações de modernidade e cultura, mas beneficiam principalmente a elite política e económica. Enquanto isso, milhões de angolanos vivem em condições precárias: sem água potável, saneamento básico, saúde adequada ou educação de qualidade. Este artigo analisa as visitas de celebridades internacionais, os custos envolvidos, o contraste entre propaganda e realidade, e as prioridades que deveriam orientar políticas públicas no país.

O paradoxo do brilho e da fome

Angola vive um paradoxo que não pode ser ignorado. Ao mesmo tempo que se apresenta ao mundo como um país moderno, capaz de receber estrelas internacionais e organizar eventos milionários, a realidade vivida pelo cidadão comum é de extrema carência. Casas sem eletricidade, escolas sem carteiras, hospitais sem médicos e ruas sem saneamento básico coexistem com jactos privados, tapetes vermelhos e palcos iluminados para artistas internacionais.

O erário público tem sido utilizado para criar uma imagem de luxo e progresso que não corresponde à experiência do cidadão angolano. Esta política do brilho é evidente quando se observam os gastos milionários em eventos que, em muitos casos, têm impacto quase nulo sobre o desenvolvimento social ou económico.

Celebridades internacionais em Angola: Entre luxo e rumor

Mariah Carey (2013)

A diva norte-americana foi contratada para a gala da Cruz Vermelha angolana, com um cachê estimado em cerca de 1 milhão de dólares. O evento gerou controvérsia por usar fundos públicos em espetáculo de luxo, enquanto grande parte da população não tinha acesso a serviços básicos de saúde e educação.

Nicki Minaj (2015)

A artista actuou no evento “Show Unitel Boas Festas”, recebendo cerca de 2 milhões de dólares. Tal como no caso de Mariah Carey, o concerto destinou-se principalmente à elite política e económica, excluindo a maioria dos cidadãos.

Lionel Messi (2025)

A chegada da estrela do futebol argentino envolveu milhões em logística e segurança. A visita da seleção argentina foi cuidadosamente coreografada, com percurso restrito e contacto limitado com o país real, mantendo distância das comunidades afetadas por carências básicas.

Alcione (data do concerto)

A cantora brasileira Alcione também esteve em Angola, integrada na sua tour de 50 anos de carreira. Embora não haja confirmação oficial sobre o valor do seu cachê, algumas fontes alegam que a artista recebeu milhões, e circulam rumores de que diamantes teriam sido incluídos como parte do pagamento. Não existem provas documentais que corroborem essas alegações, mas o caso evidencia como eventos milionários podem gerar percepções de ostentação do erário público em detrimento das necessidades da população.

Outras celebridades

Desde os anos 1990, diversas figuras internacionais foram trazidas a Angola por promotores ligados ao Executivo. Chegavam em jactos privados, instalavam-se em hotéis de luxo e dirigiam-se diretamente aos palcos, muitas vezes sem qualquer contacto com a cultura ou o povo angolano.

O custo social e económico destes eventos

Estes eventos são financiados principalmente por empresas públicas ou privadas com ligações à elite política, como a Unitel. Litígios envolvendo Isabel dos Santos e a Unitel mostram a opacidade nos gastos públicos e a ausência de prestação de contas. Cada milhão investido em concertos poderia financiar escolas, hospitais, abastecimento de água, saneamento básico ou programas de prevenção da cólera.

Enquanto o país celebra o glamour de um palco internacional, milhões de angolanos continuam a enfrentar uma realidade marcada por carências profundas, criando um contraste gritante entre imagem projetada e vida vivida.

Infraestruturas e o aeroporto Dr. António Agostinho Neto

O novo aeroporto internacional foi apresentado como símbolo de modernidade, mas continua sem vias de acesso adequadas, transporte público eficiente ou urbanização circundante. A seleção argentina, por exemplo, teve de aterrar no Aeroporto 4 de Fevereiro, evidenciando que a infraestrutura não serve nem turistas nem delegações internacionais.

Além disso, a falta de transporte público funcional e estradas mal conservadas impede que a população tenha acesso facilitado aos serviços essenciais e aos próprios eventos internacionais. A política do brilho, neste contexto, revela-se apenas uma fachada sem planejamento de longo prazo.

Saúde pública e prioridades invertidas

A epidemia de cólera que afetou Angola em 2025 mostra de forma clara as prioridades invertidas. Milhares de cidadãos adoeceram devido à falta de saneamento, água potável e cuidados de saúde básicos, enquanto milhões foram gastos em eventos de luxo. O contraste entre a atenção dada a celebridades internacionais e a negligência das necessidades essenciais da população é um exemplo da política do brilho em detrimento da vida real.

Karl Maier e a realidade da corrupção institucional

O jornalista e investigador Karl Maier, no livro Angola: Promises and Lies, documenta como a corrupção e o clientelismo moldam o país. As visitas de celebridades internacionais e os eventos milionários são apenas um capítulo desta narrativa: a imagem do país é cuidadosamente controlada, enquanto a população permanece privada de serviços fundamentais.

O contraste com a vida do povo angolano

Enquanto se organizam concertos milionários e se recebem celebridades internacionais, milhões de angolanos continuam sem condições básicas de vida:

  • Água potável e saneamento: Muitos musseques carecem de abastecimento de água limpa e recolha de resíduos.

  • Educação: Escolas sem carteiras, livros ou infraestrutura mínima.

  • Saúde: Falta de médicos, hospitais em estado crítico e surtos recorrentes de cólera.

  • Transporte e mobilidade: Estradas em mau estado, aeroportos com acesso deficiente, transporte público insuficiente.

O contraste entre o brilho dos palcos e a miséria nas ruas é evidente e gera um sentimento de frustração entre a população.

Conclusão: Entre brilho e abandono

O governo pode continuar a contratar artistas, atletas e influenciadores internacionais. Pode organizar galas, inaugurações e eventos de prestígio. Mas isso não alimenta, não educa, não protege nem cura.

Angola precisa de políticas públicas eficazes, transparência e investimentos em serviços essenciais. Até que isso aconteça, o luxo no palco continuará a contrastar com a miséria fora dele, e a política do brilho será apenas uma fachada para o mundo.

A política do brilho e a dívida da fome

Por Paulo Muhongo

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Até quando vamos continuar a aplaudir o brilho dos palcos e a ignorar a fome e o sofrimento que existem nas ruas de Angola?

A política do brilho e a dívida da fome

Angola continua a gastar milhões do erário público para trazer celebridades internacionais e organizar eventos de luxo, enquanto milhões de angolanos vivem sem água, saneamento e saúde básica. Descubra como a política do brilho contrasta com a realidade da fome e da pobreza.

POLITICAECONOMIA

11/15/20254 min ler