Angola e China: 42 anos de cooperação, mas um desenvolvimento que nunca chega
Em 2024, Angola e a China movimentaram mais de 24 mil milhões de dólares em trocas comerciais. Angola e China cooperação: Descubra os impactos, desafios e perspetivas desta cooperação.
POLITICA
10/19/20255 min ler


Angola e China: 42 Anos de Cooperação Económica e os Desafios do Desenvolvimento Sustentável
Por Paulo Muhongo — 19 de outubro de 2025
Em 2024, Angola e China movimentaram mais de 24 mil milhões de dólares em trocas comerciais, consolidando uma parceria que se estende por mais de quatro décadas.
Mas, apesar do volume impressionante de investimentos e projetos de infraestrutura, a maioria da população angolana continua a viver em condições de pobreza.
Segundo o Programa Mundial de Alimentos (WFP), mais de 50% dos angolanos sobrevivem com menos de 3,65 dólares por dia.
Este artigo analisa as origens, impactos e contradições dessa relação estratégica, à luz das últimas análises do Banco Mundial, economistas africanos e instituições multilaterais, destacando os caminhos possíveis para um desenvolvimento inclusivo e sustentável.
Quatro Décadas de Cooperação: História e Contexto
As relações diplomáticas entre Angola e a China foram estabelecidas em 1983, mas ganharam impulso após o fim da guerra civil angolana, em 2002.
A partir de então, a China tornou-se o principal parceiro comercial e credor bilateral de Angola, com projetos financiados por petróleo e executados por empresas estatais chinesas.
Setores de destaque:
Infraestruturas: Construção de estradas, pontes, hospitais e escolas (mais de 100 mil unidades habitacionais desde 2000).
Energia: Financiamento de represas e redes elétricas.
Agricultura: Modernização e aumento da produção local.
O Fórum de Cooperação China-Países de Língua Portuguesa (中葡論壇 destaca que Angola representa cerca de 25% do comércio total da China com os países lusófonos.
O Investimento Chinês e o Desafio da Diversificação
Apesar da recuperação económica, Angola ainda depende fortemente do petróleo — que representa 90% das exportações.
Contudo, segundo a Atualização Económica de 2025 do Banco Mundial, há sinais de diversificação em setores como agricultura, mineração e indústria transformadora, que receberam cerca de 5 mil milhões de dólares em investimentos chineses.
“O crescimento de 4,4% do PIB em 2024 foi robusto, mas insuficiente para compensar as perdas de 10,4% entre 2016 e 2020.” — Banco Mundial (2025)
A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, alertou que Angola sofre os efeitos do mal holandês, uma armadilha económica no qual a dependência excessiva de recursos naturais enfraquece outros setores produtivos.
Leia também: O Mal Holandês e a Economia Angolana
Análise Económica: Crescimento, Inflação e Desigualdade
Crescimento Económico
Segundo o Banco Mundial:
O PIB real cresceu 4,4% em 2024, impulsionado pelo setor petrolífero e pela mineração.
A inflação permaneceu alta, em 28,2%, corroendo o poder de compra.
O défice orçamental atingiu 1,2% do PIB.
A dívida pública representa 71% do PIB.
Pobreza e Desigualdade
A pobreza afeta 31,1% da população, e o índice de Gini (51,3) revela um dos principais níveis de desigualdade da África Austral.
O economista Ricardo Soares de Oliveira (Universidade de Oxford) observa:
“O crescimento angolano é estatístico, mas não social. Sem políticas de redistribuição e transparência, o impacto sobre a população é mínimo.”
Fragilidades Estruturais e Dependência do Petróleo
Angola produz cerca de 1 milhão de barris diários, bem abaixo dos 1,85 milhões de 2008 (Le Monde).
Essa redução reflete tanto a maturidade dos campos petrolíferos quanto a falta de investimento em exploração e refino.
Além disso, a economia informal absorve quase 80% da força de trabalho, o que dificulta ampliar a base tributária e financiar políticas sociais consistentes.
O Papel do Desenvolvimento Financeiro Inclusivo
O Capítulo 2 do relatório do Banco Mundial destaca o desenvolvimento financeiro inclusivo como peça-chave para um crescimento sustentável.
Muitos angolanos — sobretudo nas zonas rurais — não têm acesso a serviços bancários formais, limitando o empreendedorismo e o investimento em educação e saúde.
“Quando pequenas empresas, agricultores e empreendedores têm acesso a crédito, seguros e ferramentas financeiras, a produtividade cresce e a pobreza diminui.” — Banco Mundial, 2025
Barreiras à inclusão financeira:
Concentração bancária em Luanda e centros urbanos.
Altos custos e exigências burocráticas para abertura de contas.
Infraestrutura digital limitada fora dos grandes centros.
Leia também: Inclusão Financeira e Empreendedorismo Jovem em África
Lições de Outras Experiências Africanas
Experiências de Moçambique, Etiópia e Zâmbia mostram que:
Crescimento do PIB não garante redução da pobreza.
Programas de capacitação e transferência tecnológica são essenciais.
Governança e transparência determinam o impacto social.
Paul Collier, economista do Banco Mundial, observa:
“Investimentos sem governança adequada podem resultar em riqueza concentrada e desigualdade crescente.”
Leia também: Moçambique e o Modelo Chinês
Impacto Social da Cooperação
Embora os investimentos chineses tenham melhorado infraestruturas, a criação de empregos locais é mínima.
Muitos projetos são executados por empresas chinesas com mão de obra importada, e a transferência de tecnologia permanece reduzida.
Em setores como educação e habitação, há progresso, mas sem qualidade e sustentabilidade suficientes.
A urbanização acelerada em Luanda e Benguela contrasta com a precariedade persistente nas zonas rurais.
Caminhos para um Desenvolvimento Sustentável
Para transformar o crescimento em progresso social, Angola deve priorizar:
Diversificação Económica: Estimular agricultura, indústria e turismo.
Capacitação Profissional: Integrar angolanos nos projetos estratégicos.
Governança e Transparência: Combater a corrupção e melhorar a gestão pública.
Inclusão Financeira: Expandir o acesso bancário e digital para zonas rurais.
Infraestruturas Sustentáveis: Garantir manutenção e gestão local eficiente.
O FMI recomenda ainda que o país reduza o peso da dívida externa e invista em capital humano, com foco em educação e saúde pública.
Perspetivas para 2025-2027
O Banco Mundial projeta um crescimento médio de 2,9% para o período 2025-2027, com risco de desaceleração devido à queda dos preços do petróleo e à incerteza global.
Contudo, o país mantém reservas cambiais sólidas e uma posição externa estável, o que pode garantir margem de manobra para reformas estruturais.
O sucesso futuro dependerá da capacidade do governo angolano de equilibrar a relação com a China, atrair investimento privado diversificado e assegurar que o crescimento seja inclusivo.
Conclusão
Quarenta e dois anos depois do início da cooperação Angola-China, os resultados são ambíguos: progresso material sem transformação social profunda.
O desafio de Angola é usar o investimento externo como alavanca para o desenvolvimento humano, e não apenas para o crescimento estatístico.
O país tem hoje os instrumentos e o potencial para se tornar um modelo africano de desenvolvimento inclusivo — desde que o foco se desloque de grandes obras para pessoas e oportunidades reais.