O contraste é brutal: Angola, um dos principais produtores de petróleo da África subsariana, gastou centenas de milhões de dólares nos últimos trimestres para importar combustíveis refinados. A riqueza que brota do seu subsolo parece escapar-lhe assim que deixa o mar angolano. Como se explica este paradoxo? O que está por trás deste modelo económico que vende crude e compra gasolina? E sobretudo: para onde vai realmente o petróleo de Angola? Este artigo procura responder a essas questões, cruzando dados recentes, contexto histórico, análise económica e possíveis cenários futuros.

Produção petrolífera e exportações: a Angola produtora

Angola detém um lugar de destaque no setor petrolífero africano. Segundo dados da U.S. International Trade Administration, o país produzia em início de 2025 cerca de 1,03 milhões de barris por dia (bpd). (trade.gov)

Relatórios mais antigos apontam que o país produzia mais de 1,1 milhões bpd, refletindo uma tendência de queda da produção nos últimos anos. (Le Monde.fr)
Em termos de recursos, Angola possui estimativas de cerca de 9 mil milhões de barris de reservas provadas e cerca de 11 triliões de pés cúbicos de gás natural. (trade.gov)

No quarto trimestre de 2024, Angola exportou ≈394,4 milhões de barris de crude, gerando receitas da ordem de US$ 31,4 mil milhões para o período. (Africa Press Arabic)

Em muitos blocos de exploração offshore, a produção é operada por grandes empresas estrangeiras — por exemplo, a TotalEnergies no bloco 17, entre outros, com parcerias da BP, Eni e da estatal Sonangol. (Reuters)
Este perfil mostra que Angola, embora produtora, está integrada numa cadeia global onde a extração e exportação são dominadas por capitais e tecnologias internacionais.

O outro lado: importações de combustíveis e dependência externa

Enquanto produz crude, Angola importa a vasta maioria dos combustíveis líquidos que consome. Os dados falam por si: Segundo a Instituto Regulador dos Derivados do Petróleo (IRDP), no terceiro trimestre de 2024 o país gastou cerca de US$ 662 milhões para importar aproximadamente 70 % do combustível vendido no país. (aman-alliance.org)
No primeiro trimestre de 2025, 73 % do combustível comercializado foi importado — o que representa um custo de cerca de US$ 662 milhões para a aquisição de 1 147 248 toneladas métricas de derivados. (angolanminingoilandgas.com)
Em 2024, mais de 70 % dos combustíveis consumidos vieram de importações, segundo análise de mercado. (unekao.com)

Os derivados importados são principalmente gasóleo, gasolina, fuel oil, Jet A1 e outros produtos de refinação. Por exemplo, no primeiro trimestre de 2025, 55,8 % das importações foram gasolina, 33,5 % diesel, 5,4 % fuel oil, 3,7 % Jet A1. (angolanminingoilandgas.com)

Esse padrão revela um paradoxo: Angola exporta a matéria-prima, mas importa o produto acabado — e paga por isso.

Infraestrutura local e refinação: o elo que falta

Para compreender porque Angola importa tanto, faz falta olhar para a sua capacidade de refinação e logística interna.
Segundo o relatório da IRDP para o terceiro trimestre de 2024, apenas 29 % dos combustíveis líquidos comercializados vieram da Refinaria de Luanda e 1 % da unidade de Cabinda — o restante (≈70 %) foram importados. (verangola.net)
A capacidade de armazenamento nacional para derivados líquidos foi estimada em 675.968 m³ nesse período. (angolanminingoilandgas.com)

Angola tem projetos para novas refinarias, como no Lobito, Cabinda ou Soyo, que visam reduzir essa dependência. Mas muitos desses projetos avançam lentamente ou encontram dificuldades de financiamento. (vda.pt)
Ou seja: apesar das riquezas do subsolo, o país carece da infraestrutura de refinação e transformação que permitiria reter valor no território nacional.

O modelo económico: vender bruto, comprar feito

Combinar os dois fios anteriores leva à conclusão inevitável: Angola vende crude bruto e compra combustível refinado. Esse ciclo implica perda de valor, vulnerabilidade externa e um tipo de dependência que poucos países produtores de petróleo permitem a si mesmos.

Valor agregado perdido

Quando Angola exporta crude, captura parte da receita, mas não todo o valor que poderia gerar se refinas­-se internamente e vendesse produtos finais (gasolina, diesel, petroquímicos). A transformação industrial, o emprego técnico, o know-how ficam fora do país.

Além disso, ao importar derivados, Angola paga mais: considera custos de transporte, refinação externa, margens dos importadores. Isso cria uma espécie de “duplo custo”: o país já perdeu parte do valor na exportação e depois paga para voltar a adquirir o produto.

Vulnerabilidade externa

Dependendo de petróleo refinado importado, Angola está sujeita a flutuações nos preços do petróleo, taxas de câmbio, custos logísticos, e interrupções externas. Qualquer choque no mercado internacional — seja no preço do crude, seja no frete marítimo, seja no abastecimento — repercute-se internamente.

Impactos orçamentais e sociais

As importações elevadas de combustíveis drenam divisas (dólares ou euros) que poderiam destinar-se a outras áreas. Também encarecem o custo de energia e transporte, afetando a economia doméstica, a indústria local e o bem-estar dos cidadãos.

Quem beneficia e quem perde?

Quem beneficia

  • As grandes empresas internacionais de petróleo e de refinação, que operam em blocos angolanos, exportam o crude e, em muitos casos, vendem os derivados ou beneficiam da transformação em mercados globais.

  • Os agentes que controlam as cadeias de valor de transformação e logística — que no modelo actual detêm a margem mais elevada.

  • Os mercados que refinam o crude angolano e exportam os produtos finais para Angola ou para outros países, captando maior valor.

Quem perde

  • Angola enquanto Estado e sociedade: porque parte significativa da riqueza não é capturada no país, e a dependência externa limita a autonomia.

  • A economia local mais ampla — a indústria de refinação, a cadeia petroquímica, a logística nacional — ficam pouco desenvolvidas.

  • O cidadão comum, que suporta os custos mais elevados do combustível e da energia, e vê menos benefícios diretos da riqueza petrolífera.

História, contexto e herança estrutural

Para entender este modelo é preciso recuar no tempo. Muitos países africanos produtores de recursos naturais segui­ram o padrão de exportação de matéria-prima e importação de produto acabado, sem integração local.

Em Angola, após a independência em 1975, a exploração petrolífera ganhou impulso, mas o investimento em refinação doméstica e industrialização ficou aquém do necessário. A infraestrutura existente, como a Refinaria de Luanda, data de há décadas e está sub-dimensionada para as necessidades modernas.

Essa herança estrutural — tecnologia externa, capitais estrangeiros, extrativismo — condiciona o presente.

O futuro imediato: desafios e oportunidades

Projetos de refinação

Angola está a avançar com novos projetos de refinaria: por exemplo, a refinaria de Cabinda, prevista para o fim de 2025, com capacidade inicial (nas notícias) de cerca de 30.000 bbl/dia. (Reuters)
Esses projetos são essenciais para reduzir a importação de derivados e aumentar o valor capturado internamente.

Redefinir contratos e investimento local

É imperativo que Angola renegocie os termos dos seus contratos com empresas internacionais, exigindo maior conteúdo local (refinação, logística, emprego técnico), e reforçando a autonomia da estatal Sonangol ou de agências nacionais.

Diversificação económica

Dependência excessiva do petróleo coloca Angola vulnerável à transição energética global. Segundo reportagem do Le Monde, o país prepara-se para o fim do petróleo tradicional, explorando agricultura, infraestruturas e energias renováveis. (Le Monde.fr)
Investir os ganhos petrolíferos em setores produtivos e não apenas consumíveis é chave para o futuro.

Conclusão

Angola produz petróleo, sim.
Mas vende grande parte da riqueza em bruto, importa o produto acabado, e aceita a dependência como norma.
Esse padrão compromete a soberania económica, limita o desenvolvimento industrial e impõe ao país custos elevados para algo que, logicamente, deveria produzir internamente.
A mudança exige estratégia, investimento, vontade política e vontade de romper com a lógica tradicional.
Se Angola quiser que o seu ouro negro realmente trabalhe para o seu povo, então não basta extrair: é preciso refinar, transformar, acrescentar valor, diversificar.

Angola merece mais do que ser apenas um exportador de matéria-prima. Merece ser um protagonista da cadeia, um país que converte o seu subsolo em futuro — e não em dependência.

Fontes e Referências

  • U.S. International Trade Administration. Angola Oil and Gas Industry Growth. (trade.gov)

  • Instituto Regulador dos Derivados do Petróleo (IRDP). Relatórios de mercado dos combustíveis em Angola (Q3 2024, Q1 2025). (aman-alliance.org)

  • Angola Mining Oil & Gas. Angola’s fuel market remains reliant on imports. (angolanminingoilandgas.com)

  • Le Monde. “Comment l’Angola … se prépare à la fin du pétrole”. (Le Monde.fr)

  • Reuters / outros. Projetos de refinação em Angola – Cabinda refinery etc. (Reuters)

  • Trade.gov / Energy Resource Guide – Angola. (trade.gov)

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Por Paulo Muhongo

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10/31/20256 min ler