Angola ITB Berlim 2026: turismo, poder e contradições

Angola ITB Berlim 2026 marca um feito histórico: o país será anfitrião da maior feira de turismo, revelando tanto seu potencial quanto suas contradições sociais.

10/19/20253 min ler

Angola faz história na ITB Berlim 2026: o brilho que esconde as sombras

Quando a notícia foi anunciada, muitos reagiram com surpresa: Angola será o país anfitrião da maior feira de turismo do mundo, a ITB Berlim 2026. Um feito histórico, sem dúvida — pela primeira vez, um país africano de língua portuguesa ocupa esse lugar de destaque num dos eventos mais prestigiados do setor turístico global.

Mas, por detrás do brilho das luzes e do discurso oficial sobre “a nova face do turismo africano”, há uma realidade que não pode ser silenciada. Angola é um país de contrastes profundos — ricos em petróleo e diamantes, mas pobres em liberdade, justiça e igualdade social.

O palco global: uma oportunidade ou uma contradição?

De acordo com o comunicado da ATTA Travel News, a escolha de Angola para representar o turismo mundial em 2026 pretende “mostrar o potencial de um destino africano em ascensão”. É um gesto simbólico, político e económico, que visa fortalecer as relações entre África e Europa no setor das viagens.

Contudo, surge uma pergunta inevitável: como pode um país onde grande parte da população vive com menos de 2 euros por dia ser o símbolo de hospitalidade e prosperidade turística perante o mundo?

Enquanto Berlim prepara os stands e os discursos diplomáticos, em Luanda, famílias lutam para comprar pão, jovens desesperam por emprego, e vozes críticas continuam a ser silenciadas.

Corrupção e desigualdade: as feridas abertas

Um relatório recente do Afrobarometer revela que a perceção da corrupção em Angola aumentou significativamente. Muitos cidadãos afirmam temer retaliações caso denunciem práticas corruptas.
Apesar das promessas de reformas, o poder político continua concentrado nas mesmas mãos que dominam o país desde a independência.

Enquanto isso, o discurso oficial sobre “turismo sustentável” e “diversificação económica” serve de verniz para esconder um sistema que ainda depende fortemente do petróleo e de alianças políticas externas.

A repressão nas ruas

Em julho de 2025, protestos contra o aumento do preço dos combustíveis deixaram pelo menos 22 mortos e mais de 1.200 pessoas presas, segundo Associated Press e Al Jazeera.
Esses episódios mostram que a repressão e o medo continuam presentes.

Enquanto o governo investe milhões em campanhas de imagem e em participações em feiras internacionais, o povo enfrenta escassez, desemprego e um custo de vida insustentável.

Entre o turismo e a dignidade

A ITB Berlim é mais do que um evento de turismo — é um palco de narrativas. Em 2026, Angola será apresentada como um país de “beleza intocada, diversidade cultural e crescimento económico”.
Mas será que os visitantes estrangeiros terão a oportunidade de conhecer a Angola real?

A Angola dos musseques, onde as crianças brincam entre restos de lixo industrial.
A Angola dos jovens empreendedores que lutam sem apoio.
A Angola das mulheres que sustentam famílias inteiras com o pouco que têm.

Essa é a Angola que raramente chega aos folhetos turísticos — e é essa a Angola que precisa ser vista.

A responsabilidade da Alemanha

A escolha da Alemanha, um país que se apresenta como defensor dos direitos humanos, não é neutra.
Ao permitir que um regime acusado de corrupção e repressão seja o anfitrião de um evento global, Berlim envia uma mensagem ambígua: o dinheiro e a diplomacia falam mais alto do que a ética.

A Alemanha tem relações comerciais profundas com Angola, especialmente no setor energético e da construção.
Assim, a ITB Berlim 2026 será também um encontro de interesses — onde o turismo serve de ponte, mas também de máscara.

Caminhos para uma nova narrativa

Angola tem um potencial turístico extraordinário: praias intocadas, florestas tropicais, deserto, música, arte e uma cultura vibrante.
Mas o turismo que se constrói sobre a pobreza e o silêncio não é sustentável.
O verdadeiro desenvolvimento virá quando o povo for o protagonista, e não um figurante nos discursos oficiais.

Para que o turismo seja uma ferramenta de dignidade e não de propaganda, é preciso um novo pacto entre governo, sociedade civil e comunidade internacional.

Conclusão: o brilho e as sombras

A ITB Berlim 2026 será um marco na história de Angola — disso, não há dúvida.
Mas a história não deve ser escrita apenas pelos vencedores.
Que o mundo olhe para Angola não apenas como um “destino exótico”, mas como um país que clama por justiça, dignidade e verdade.

E que, talvez, entre um stand e outro, alguém pergunte:

“De que serve promover o turismo, se o próprio povo não tem o direito de sonhar?”

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