No final de Fevereiro de 2018, o novo presidente do conselho de administração da Sonangol, Carlos Saturnino, apresentou dados preliminares de uma auditoria que abalavam a imagem da petrolífera estatal angolana. Segundo esta auditoria, entre Novembro de 2016 e Novembro de 2017, a Sonangol despendeu cerca de 135 milhões de dólares, o que equivale aproximadamente a 111 milhões de euros.
Além disso, a dívida da empresa era apontada em cerca de 4,9 mil milhões de dólares.
Este valor de consultoria elevado em contexto de forte vulnerabilidade orçamental e dependência dos rendimentos petrolíferos gerou imediatas interrogações. Para quê tantos consultores? Onde estão os relatórios? Qual o retorno para o país?
Contexto e historial da Sonangol
A Sonangol, empresa pública de Angola, foi por longos anos o veículo principal da exploração petrolífera e do circuito financeiro dos hidrocarbonetos do país.
Organicamente, operava e em parte ainda opera como empresa integrada: exploração, produção, comercialização, refinação e logística. Em paralelo, assumiu funções próximas às do Estado em projectos estruturantes.
Historicamente, já vinha sendo acusada de falta de transparência e de atuar com elevada autonomia nas suas contas. Por exemplo, a Human Rights Watch alertava que entre 2007 e 2011 a Sonangol gastara mais de 18,2 mil milhões de dólares que não estavam claramente contabilizados.
Quando em Junho de 2016 foi nomeada Isabel dos Santos como presidente do conselho da Sonangol, tomou-se um novo rumo de governação da empresa que agora está sob investigação.
O desvio para consultorias: 111 milhões
O valor de 111 milhões de euros, ou cerca de 135 milhões de dólares, corresponde a um período curto em que a Sonangol pagou consultorias, sendo este montante divulgado pela nova administração como parte de uma auditoria de regeneração.
O próprio Carlos Saturnino disse ter encontrado um número elevado de empresas de consultoria e excesso de consultores quando assumiu funções.
Quem foram os prestadores?
Alguns dos nomes referidos nas investigações ou imprensa incluem PwC, Boston Consulting Group, McKinsey & Company e Vieira de Almeida.
Foi divulgado que a PwC e suas subsidiárias foram acusadas de facilitar a gestão danosa da Sonangol sob Isabel dos Santos, tendo recebido 10,5 milhões de dólares em consultoria, além de auditoria externa.Natureza dos serviços
Os serviços declarados eram auditoria externa das contas da Sonangol e das suas subsidiárias, consultoria de transformação corporativa, apoio estratégico à regeneração da empresa e suporte técnico especializado no domínio do petróleo e gás.
Houve sobretudo a explicação de que a empresa precisava de regenerar-se e que era urgente contratar consultorias com experiência internacional para reestruturar, otimizar e modernizar. Em Outubro de 2018, o Governo autorizou 50 milhões de dólares para consultoria nesse âmbito.
Críticas e alarmes
A divulgação destes valores e dos prestadores suscitou graves críticas e múltiplos alarmes.
Transparência fragilizada
Os contratos nem sempre estão publicamente acessíveis. Os critérios de escolha das consultorias são opacos, com contratação direta e procedimentos simplificados. Já se fala em empresas que não tinham atividade relevante a ganhar contratos.
O facto de a PwC ter sido contratada para auditoria depois de ter sido consultora gera conflito de interesses.Eficiência e retorno questionáveis
Gastar mais de 100 milhões de euros exige demonstrar retorno palpável, como redução de custos, aumento de produção, melhoria de governança ou lucro acrescido. Mas a Sonangol continuou com problemas de dívida, de governação e de credibilidade. As contas de 2024 foram aprovadas com reservas, o auditor externo apontou falta de confirmação da recuperabilidade de créditos.
Desvalorização de recursos internos
Foram contratadas consultorias estrangeiras enquanto a valorização de quadros angolanos ficou em segundo plano. Uma investigação aponta que o custo dos consultores contratados sob Isabel dos Santos era superior à folha de pessoal da empresa.
Riscos de captura e corrupção
A investigação do International Consortium of Investigative Journalists associou contratos de consultoria e auditora à rede de Isabel dos Santos.
Existem acusações de pagamentos duplicados via sociedades off-shore à PwC e outras.
O facto de a Sonangol operar com grande autonomia financeira facilita práticas de opacidade.
Explicações invocadas
Necessidade de transformação
A direção interina da Sonangol justificou as contratações como necessárias para a empresa, que precisava urgentemente de reestruturação e apoio de consultorias de topo. É plausível transformar uma petrolífera estatal de grande dimensão, mas era legítimo gastar mais de 100 milhões de euros num curto período? Qual era o plano de resultados contratual?
Falta de capacidade interna
Argumenta-se que a Sonangol não tinha quadros ou expertise suficientes localmente, o que justificaria o recurso a consultorias estrangeiras. Mas se todos os processos importantes são externalizados, perpetua-se a dependência externa e perde-se aprendizagem interna.
Sinal para investidores
Contratar firmas internacionais de renome poderia dar sinal de reforma e modernização e atrair investidores. Este argumento é válido se houver transparência, resultados e retorno real, o que não parece ser o caso no dossier Sonangol.
Rede de interesses e lógica de orçamento disponível
Não se pode excluir que algumas decisões foram influenciadas por redes de interesses, onde consultoria externa funciona como canal para fluxos menos visíveis. As investigações indicam que este risco se materializou.
Consequências para Angola
Impacto económico
Quando uma empresa estatal como a Sonangol investe 111 milhões de euros em consultoria, o custo não é irrelevante para o Estado. Em contexto de receitas declinantes de petróleo e de necessidade de diversificação económica, cada euro conta. Se o investimento não produzir eficiência real, representa dinheiro que deixa de ir para educação, saúde e infraestruturas.
Confiança internacional e reputação
O dossier mancha a reputação da Sonangol e, por extensão, de Angola. Investidores estrangeiros podem ver este episódio como sinal de risco elevado de governação. A auditoria com reservas de 2024 demonstra que o caminho da credibilidade ainda é longo.
Desenvolvimento institucional interno
Se recursos elevados são canalizados para consultorias externas, perde-se a oportunidade de construir competências internas em Angola, enfraquecendo a autonomia do país no sector energético.
Potencial para litígios e instabilidade
A nova administração enviou auditoria da gestão anterior à justiça. A existência de litígios e incertezas operacionais pode causar paralisações, perda de talentos e fuga de investimento.
Perguntas sem resposta
Foram todos os 111 milhões de euros plenamente justificados?
Quais os contratos específicos, objetivos, funções e resultados concretos?
Qual o montante que efetivamente reverteu para Angola versus o que foi para fora?
Qual o mecanismo de seleção das consultorias?
Houve concurso público, transparência, conflitos de interesse?
Qual o retorno em termos de produção petrolífera adicional, redução de custos operacionais e melhoria da governança?
Depois da intervenção da nova administração, quais os resultados concretos da regeneração da Sonangol até hoje?
Qual o legado para Angola em termos de capacidade interna e confiança internacional?
Reflexão crítica
Contratar consultorias estrangeiras não é em si um mau ato. Se bem gerido, com clareza, controlo e entrega de resultados, pode ser estratégico e valioso.
No entanto, o caso da Sonangol revela colisões entre elevado gasto, fraca transparência, resultados pouco visíveis e riscos de captura e conflito de interesses.
Quando o montante atinge mais de 100 milhões de euros em pouco mais de um ano, o nível de rigor e acompanhamento exigido deve ser proporcionalmente elevado e não parece ter sido.
Boas práticas recomendáveis
Publicação integral de contratos de consultoria: montante, duração, objetivo, KPI e resultados concretos.
Exigência de formação e transferência de know-how às equipas locais.
Auditoria externa independente com acesso público aos relatórios e vigilância de conflitos de interesse.
Monitorização do impacto em empregos locais, aumento de produção e redução de custos.
Envolvimento do parlamento, sociedade civil e mecanismos de transparência para aumentar credibilidade institucional.
Conclusão
O episódio dos 111 milhões de euros em consultorias estrangeiras resume questões críticas numa economia dependente do petróleo, numa empresa estatal de grande envergadura e num país em transição.
O risco de dispersão de recursos públicos sem contrapartida clara, a fragilidade da transparência, a urgência de melhorar a governança e a necessidade de construir capacidade interna estão evidentes.
Sem estas mudanças, o risco é que se repita o padrão: elevados pagamentos a consultorias externas, resultados incertos e pouca aprendizagem interna. Quem paga é sobretudo a sociedade angolana.
Fontes e Referências
Jornal Económico – Sonangol: Isabel dos Santos gastou 111 milhões em consultorias num ano. Disponível em: jornaleconomico.sapo.pt
The Energy Year – Sonangol nearly 5 bln in debt. Disponível em: theenergyyear.com
Human Rights Watch – IMF should insist on audit of Angola’s oil fund. Disponível em: hrw.org
International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) – Isabel dos Santos charged with 12 crimes in Angola over her dealings as Sonangol chair. Disponível em: icij.org
Diário de Notícias – Sonangol pagou em ano e meio 110 milhões de euros em consultoria. Disponível em: dn.pt
Ver Angola – PwC consultant accused of facilitating damaging management by Isabel dos Santos. Disponível em: verangola.net
Mozambique Mining Post – Angola pays KPMG e15mi to check Isabel dos Santos accounts at Sonangol. Disponível em: mozambiqueminingpost.com
360 Angola – Sonangol financial report approved with reservations by independent auditor. Disponível em: 360angola.com
Maka Angola – Sonangol's slush fund and salary payments. Disponível em: makaangola.org
Ver Angola – Sonangol sends audit of Isabel dos Santos’ management to justice. Disponível em: verangola.net


Consultorias estrangeiras, os 111 milhões e o silêncio da Sonangol
Por Paulo Muhongo
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