
Ela nunca se recuperou
Conto que explora as cicatrizes emocionais de uma mulher marcada pelo orgulho, pela traição e pelas escolhas que a afastaram da sua família.
4/28/20252 min ler
À sombra da tristeza, fugiu, longe da aldeia que a viu nascer, fugindo dos olhares, dos julgamentos, dos sussurros. Temia aqueles rostos familiares, convencida de que a condenavam por ter arruinado a sua vida — e a da sua família — por orgulho, por arrogância.
Nunca soube perdoar a traição daquele que amava desde sempre.
Ele veio pedir-lhe perdão, de mãos vazias mas com o coração aberto.
Mas ela, orgulhosa, bela, segura do seu valor, não conseguia conceber viver com um homem que ousara olhar para outra.
E, no entanto… suportou tudo.
Os gritos. As agressões. Os silêncios pesados. Os regressos ao amanhecer, o cheiro do álcool.
Mas nunca atravessou a porta para sempre.
Às vezes, ia passar uns dias em casa dos pais. Mas voltava sempre.
Não ouvia ninguém.
Nem a mãe.
Nem as irmãs.
Nem o irmão.
Nem as amigas de infância.
Acreditava que ele estaria ali para sempre.
Mas com tantos “nãos”, tantas feridas caladas, ele acabou por partir.
Encontrou braços mais suaves, um olhar que não julgava.
Ela, que nunca soube partilhar, lançou-se nos braços de um homem casado.
Foi apenas o primeiro.
Outros seguiram-se.
Homens sem rosto, sem nome.
Vinham só de noite, partiam antes do nascer do sol.
Apenas os cães podiam testemunhar a sua passagem.
Nenhum ficou.
Todos deixaram a sua marca.
Um, dois, três filhos.
Cada um deixou pelo menos isso.
Enojada da vida, pressionada por um sobrinho já homem, que exigia a casa do pai — que ela fizera sua — partiu.
Com um filho nos braços, afastou-se de tudo o que conhecia, na esperança de recomeçar.
Deixou as três filhas e o filho com a mãe, prometendo voltar para os buscar mais tarde, quando tudo estivesse melhor.
Mas esqueceu-se que as filhas precisam da mãe.
E o tempo… o tempo não espera por ninguém.
Os anos passaram.
Lá, do outro lado do rio, a vida era ainda pior.
Estava sozinha, estrangeira entre os outros.
Quando nada havia, ela e o filho jejuavam em silêncio.
Mas nunca quis regressar.
Orgulhosa demais.
Demasiado envergonhada por falhar.
Hoje, o filho mais velho morreu.
As filhas, mal se tornaram mulheres, já carregam o peso da maternidade.
Dois filhos cada uma.
Nenhuma chegou a entrar numa escola.
O saber perdeu-se como um vento que já não se apanha.
E ela, sempre do outro lado.
Não viu crescer os netos, não ouviu a primeira palavra, não consolou o primeiro desgosto.
Vive lá, à sombra de uma vida que não escolheu, mas da qual também não soube fugir.
Poderia voltar.
Mas a vergonha consome-a.
Pensa que regressar seria uma derrota, que ao atravessar de novo o limiar da casa materna, estaria a admitir que errou, que perdeu tudo.
O que ela não sabe é que não há vergonha em voltar.
Por vezes, recuar é ganhar balanço para avançar melhor.
Mas ela continua ali, presa num exílio que ela própria impôs.