A recente chamada pública de Filipe Mukenga para obter apoio a fim de lançar um álbum que considera possivelmente o derradeiro da sua carreira voltou a expor uma contradição intolerável. Um artista que atravessou décadas de criação e que ajudou a moldar a identidade musical angolana viu-se, mais uma vez, a pedir ajuda para financiar aquilo que deveria ser promovido e protegido por políticas públicas de cultura. Esta situação não é um caso isolado. Toca a música, a literatura e outras artes, e aponta para falhas institucionais que merecem ser debatidas e corrigidas.
Quem é Filipe Mukenga e por que a sua situação importa
Filipe Mukenga é considerado, por muitos críticos e pela imprensa angolana, uma referência da música angolana contemporânea, com uma carreira que atravessa mais de meio século e com composições que fazem parte do património sonoro do país. Relatos de artigos e entrevistas mostram que, ao longo dos anos, o músico tem reclamado reconhecimento e apoio para concretizar trabalhos discográficos, e que voltou a pedir ajuda pública para lançar o que considera o seu último projecto. A sua situação é emblemática porque coloca a pergunta fundamental: se alguém do seu estatuto passa por isto, que destino terão os outros criadores menos visíveis?
Evidência de pedidos públicos de apoio e de reconhecimento institucional
A imprensa nacional noticiou, em várias ocasiões, declarações de Mukenga em que expõe a falta de apoio e a angústia por ver o seu trabalho adiado por insuficiência de patrocínios e apoios institucionais. Noticiários recentes e reportagens de arquivo confirmam que este não é um apelo pontual: há registos de pedidos de apoio anteriores, bem como de distinções tardias por parte do Estado que não resolveram a fragilidade estrutural do artista. Estas matérias são fundamentais para suportar a crítica de que o país tem tratado mal os seus criadores mais consagrados.
A literatura angolana em risco: o caso de Filipe Martins Mascarenhas
No domínio literário, encontrei referências bibliográficas e notas sobre obras de Filipe Martins Barbosa de Mascarenhas, nomeadamente Memórias de Icolo e Bengo e Remendos da Vida, que documentam memórias regionais e sociais de Angola. Há registos de que alguns destes trabalhos têm circulação limitada e que o autor, como outros escritores nacionais, enfrenta dificuldades para garantir apoios públicos que viabilizem edições mais amplas e divulgação sustentada. Esta situação confirma que o problema atravessa sectores.
O quadro institucional: o Ministério da Cultura e as suas atribuições
O Ministério da Cultura de Angola tem, no papel, competências destinadas a promover e proteger o património, a criação artística e os direitos de autor. A página institucional descreve atribuições que incluem direção de políticas culturais e apoio à ação cultural. Na prática, contudo, a implementação dessas atribuições tem enfrentado críticas por falta de continuidade, escassez de fundos permanentes e fraca transparência em muitos programas, o que contribui para a situação dos artistas. Há também menções públicas a iniciativas pontuais ou promessas de criação de fundos de apoio que ainda não se traduzem em mecanismos estáveis e amplamente eficazes.
Prova de intenção de criar mecanismos de apoio, sem implementação efetiva
Há reportagens que documentam intenções governamentais de criar fundos de apoio aos artistas ou medidas de dignificação do sector cultural. Por exemplo, há notícias de que, em anos anteriores, o governo anunciou a intenção de criar um fundo nacional de apoio a artistas, mas a implementação persistiu como desafio. A existência de anúncios não substitui um sistema operativo, transparente e sustentável que garanta pensões, subsídios e projetos de preservação do património vivo. Voice of America
Exploração e assimetrias no mercado cultural
Reportagens, entrevistas e análises divulgadas na imprensa e em plataformas especializadas apontam também para práticas no sector musical que vulnerabilizam criadores, incluindo gestão deficiente de direitos de autor e modelos de exploração em que os ganhos brutos não se traduzem em rendimento justo para muitos artistas. Estas fragilidades económicas agudizam a exposição de artistas idosos e com carreira consolidada.
A inversão das prioridades nos investimentos em espetáculo
A discussão pública em Angola tem mostrado que, ao mesmo tempo que há arranjos milionários para a contratação pontual de artistas internacionais, faltam verbas sistemáticas para apoiar discos, edições literárias, reedições, arquivamento e residências artísticas. Em casos divulgados pela imprensa e por redes sociais, são apontadas cifras elevadas para celebridades estrangeiras em grandes eventos nacionais. Mesmo quando a circulação internacional é desejável, a ausência de contrapartidas concretas para o desenvolvimento de artistas nacionais e para a preservação do património local configura uma inversão de prioridades que merece ser retificada.
Propostas concretas, com base em boas práticas internacionais e em necessidades locais
Com base nas evidências recolhidas e em modelos adotados noutros países, proponho, em termos práticos, um conjunto de reformas prioritárias que o artigo original já sugeria e que agora reescrevo com sustentação factual:
Criar um Fundo Nacional Permanente de Apoio ao Artista Angolano, com orçamento anual, gestão transparente e relatórios públicos. A existência de anúncios anteriores sobre intenção de fundos torna urgente a sua materialização.
Instituir o Estatuto do Artista, que inclua proteção social, contribuições para pensões específicas, acesso a cuidados de saúde e mecanismos de apoio na velhice.
Estabelecer um Programa Património Vivo para reconhecer e financiar artistas essenciais, incluindo apoio direto para gravação, reedição, remasterização de arquivos e produção de obras documentais.
Criar editoras e estúdios públicos funcionais, com programas de edição literária e musicológica para autores e músicos cujas obras careçam de apoio.
Reorientar investimentos em eventos de grande escala de modo a garantir contrapartidas: percentuais de investimento obrigatórios para produção local, residências artísticas e programas educativos vinculados aos espetáculos internacionais.
Melhorar a gestão coletiva de direitos de autor e assegurar mecanismos transparentes de repartição de royalties para os rendimentos refletirem o trabalho efetuado.
Implementar editais transparentes, com júris independentes e critérios públicos, para atribuição de bolsas e apoios.
Cada uma destas propostas está fundamentada tanto na literatura sobre políticas culturais como em exemplos internacionais que podem ser adaptados à realidade angolana. O objetivo não é copiar modelos, mas ajustar práticas bem-sucedidas noutros contextos à especificidade de Angola.
Conclusão: reparação urgente e mudança estrutural
Os fatos verificados mostram que Filipe Mukenga tem, de fato, solicitando apoio para concretizar um projeto discográfico que considera de despedida, que há precedentes semelhantes na carreira e que a literatura angolana também enfrenta problemas de visibilidade e financiamento, como no caso de Filipe Martins Mascarenhas. Ao mesmo tempo, o Ministério da Cultura detém atribuições formais que, salvo algumas iniciativas pontuais e anúncios, não se reflectem em mecanismos permanentes suficientes para garantir a dignidade dos criadores. Assim, a crítica fundamentada é legítima e urgente. É preciso transformar intenções em políticas públicas eficazes, rápidas na implementação e transparentes na gestão.
Fontes consultadas e notas sobre verificação
• Reportagem sobre o pedido de apoio de Filipe Mukenga e cobertura recente. ongoma.info+1
• Entrevista e cobertura de 2021 em que Mukenga refere falta de apoio e galardões atrasados. Novo Jornal
• Notícia de distinção governamental a Filipe Mukenga, para contextualizar reconhcimentos institucionais recentes. Novo Jornal
• Referências bibliográficas e menção à obra Memórias de Icolo e Bengo e outras obras de Filipe Martins Mascarenhas. livrosultramarguerracolonial.blogspot.com+1
• Página oficial do Ministério da Cultura de Angola com atribuições institucionais. mincult.gov.ao+1
• Reportagem sobre intenção de criar fundos de apoio a artistas e discussões públicas sobre políticas culturais. Voice of America
• Artigos e notas sobre gestão de direitos de autor e exploração económica no mercado musical angolano. Amar Sombrás+1


Filipe Mukenga e a Vergonha da Cultura Angolana
Por Paulo Muhongo
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Como o Estado angolano poderia realmente apoiar, proteger e valorizar os nossos criadores, garantindo que continuem a enriquecer a identidade cultural do país?
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POLITICAECONOMIA
11/18/20256 min ler
