an abstract photo of a curved building with a blue sky in the background

Lisboa é o epicentro onde a cultura portuguesa se funde e ganha vida.

Muito para além do fado e das sardinhas, este texto é um mergulho na alma vibrante de Lisboa — onde passado e futuro dançam juntos, e a cultura portuguesa pulsa em cada esquina. Um testemunho emotivo de três dias de festa popular, memórias partilhadas e tradições que resistem ao tempo.

CONTOSPROSA

5/19/20253 min ler

Lisboa não é só fado, nem apenas sardinhas a crepitar na brasa, nem o sol generoso que acaricia a cidade quase todos os dias do ano.
Não é só a harmonia improvável entre o brilho dos edifícios modernos e a tapeçaria antiga dos azulejos que contam histórias em silêncio nas fachadas.
Não são apenas os tilintares dos elétricos a serpentear pelas colinas, nem o café forte servido em chávenas de porcelana nas esplanadas soalheiras.

Lisboa é corpo que dança e memória que resiste.
É o passado que recusa adormecer e o presente que se move ao compasso da saudade.
Enquanto tantas cidades apagam as marcas do que foram, Lisboa preserva-as — com ternura.
Senta o passado à mesa, brinda com o futuro e serve-lhes vinho tinto em copos de vidro antigo.

Nas suas ruas ecoam vozes — ora roucas, ora agudas — e passos que fazem vibrar as pedras como se cada calçada tivesse um coração a pulsar.
É aqui que as tradições respiram fundo.
É aqui que os velhos costumes dançam com novas formas e onde a alma do povo se revela sem vergonha, com a força de mil tambores.

Lisboa é luz, sim, mas também sombra onde se repousa.
É festa de rua e recolhimento de beco.
É poema inacabado que se escreve a cada esquina, entre um riso solto e uma saudade antiga.

Foi assim que me senti durante três dias inteiros no evento que encheu de cor e vida o Jardim Dom Afonso Henriques, ali na Alameda.
As vozes, os pés, os trajes e os ritmos dos diversos grupos tradicionais ecoavam como trovões suaves, vindos de terras longínquas, mas com raízes fundas neste chão.

Cada grupo era um espelho da sua origem, uma oferenda viva do seu povo.
Mas foi o Grupo do Minho que mais me tocou — não apenas pela vibração contagiante das danças, mas pela delicada alquimia entre o antigo e o novo.
Ali dançavam, no mesmo compasso, gerações inteiras: crianças de rosto iluminado e anciãos de passos sábios.

E entre todos, uma imagem ficou-me gravada como fotografia da alma: uma menina a dançar incansavelmente ao lado do pai, como se o tempo tivesse parado apenas para os ver.
Mas o tempo não parou — fui eu que parei, por escolha, para guardar aquele instante não só na memória, mas também no coração.

Foram quase dez canções, e em cada grito, a menina punha os pés a vibrar, seguindo os passos do pai como se dançasse assim desde sempre.
Como se a dança tradicional portuguesa — que ele executava com leveza de quem respira — fosse parte de si, tão essencial como o ar que o sustém.
Apesar de imerso nos cânticos e movimentos, mantinha sobre ela um olhar protetor; e ela, por sua vez, buscava em cada gesto a aprovação do pai.

E foi então que compreendi: a maior herança que os pais podem deixar aos filhos são as lembranças.
Sim, as memórias são a única riqueza segura num mundo onde tudo se esvai como cinza levada pelo vento.

Mais adiante, uma cena desafiava a lógica do tempo e até a gravidade:
Um velhinho, baixinho, dançava com a sua companheira — uma senhora de passos firmes — como se a idade não lhes pesasse, como se os tempos de outrora ainda os habitassem.
Faziam acrobacias que muitos jovens jamais ousariam tentar.

E percebi que o medo da velhice é, muitas vezes, o reflexo de uma alma esvaziada de paixão, desprovida da centelha que dá sentido aos dias.

Sim, isto é Lisboa.

Entre passos que vêm e vão, o velho e a menina encontram-se no ritmo ancestral que os impele, e na mesma harmonia dançam.
O homem ao meu lado chora, emocionado, e entre aplausos ergue-se, gritando:
Que lindo, que lindo… Viva a nossa cultura!

Duas mulheres, que aí se conheceram, dançam sem nunca parar, guiadas por cada voz que preenche o palco.
Um homem, já tocado pelo vinho, tenta acompanhá-las — mas é preciso lucidez para seguir o compasso das mulheres que dançam a todo o vapor, como se tivessem nascido para isso, como se esperassem por este momento desde sempre.

O pai, com o recém-nascido ao colo, entra na roda; a esposa ri ao pegar na filha que tenta escapar dos seus braços, desejosa de se juntar à dança.

Isto é o povo português.
É isso que o distingue da Europa — ou talvez de todas as nações que se dizem civilizadas.
Talvez o segredo esteja em abraçar o passado, em vê-lo como uma janela de vidro espesso que fortalece a humanidade ainda viva nestas terras — num mundo cada vez mais individualista e egoísta.

E para encerrar com chave de ouro este encontro de raízes e alegria, o representante do Grupo do Minho disse-nos:
Façam questão de serem felizes.

Como não ser feliz em Lisboa?
Como não?

Quais são as tuas impressões ?