Quando a guerra civil terminou em Angola, no início dos anos 2000, um dos caminhos escolhidos pelo país para a reconstrução foi o de acolher capital estrangeiro e empréstimos em larga escala. Nesse contexto, a China emergiu como principal parceiro económico. E o que à primeira vista parecia uma oportunidade de reconstrução tornou-se, para muitos analistas, num novo padrão de dependência — uma “neocolonização” sob bandeira chinesa, em que recursos naturais, infraestruturas e dívida transformam-se em alavancas de influência. Este artigo mergulha nessa dinâmica, interrogando: até que ponto Angola se torna dependente da China? Quais são os custos sociais, políticos e económicos? E qual a perspetiva para o futuro do país?

O início do modelo sino-angolano

Nos anos que se seguiram à guerra civil angolana, a China entrou massivamente no país através de empréstimos em troca de recursos naturais, sobretudo petróleo, e contratos de infraestruturas. Segundo o relatório da Chatham House, Angola recebeu mais de US$ 42 mil milhões em compromissos de empréstimo da China nas últimas duas décadas. (chathamhouse.org) O mesmo relatório aponta que, em 2021, cerca de 72% das exportações de petróleo de Angola iam para a China. (chathamhouse.org)

O modelo era relativamente simples: Angola entregava petróleo ou garantia com petróleo; a China financiava obras de infraestrutura — estradas, habitação social, geração de energia — ligadas à reconstrução. A partir desse ponto, a interdependência cresceu. Exemplo: o artigo da Deutsche Welle de 2 de Setembro de 2024 afirma que Angola é o maior parceiro económico africano da China, tendo recebido mais de US$ 45 mil milhões desde 2000. (Deutsche Welle)

No entanto, à medida que os anos avançaram, os riscos desse modelo tornaram-se evidentes.

Dívida, petróleo e risco de dependência

A dívida de Angola com a China tornou-se uma das chaves para compreender o grau de «neocolonização». Em 2022, estima-se que Angola devia ao país asiático US$ 17 mil milhões ou mais, o que representava cerca de 40% da dívida externa do país. (Deutsche Welle) Além disso, um relatório da Chatham House salienta que a dívida da China absorvia grande parte das exportações petrolíferas angolanas. (chathamhouse.org)

O mecanismo utilizado — empréstimos colateralizados com petróleo — foi objeto de críticas. Segundo o site 360 Angola, “o modelo de pagar dívida com petróleo (…) tem sido cada vez mais criticado”. (360angola.com) Esse tipo de acordo compromete a soberania económica: se o preço do petróleo cai ou se a produção diminui, o país fica preso a obrigações fixas, diminuindo a margem de manobra para políticas públicas.

Mais recentemente, Angola anunciou uma estratégia de redução dessas dívidas garantidas com petróleo, avaliando que até o fim de 2025 essa dívida colateralizada poderá estar entre US$ 7,5 e 8 mil milhões. (FurtherAfrica) Os analistas saudaram esse anúncio, mas alertam que a base de dependência já está estabelecida.

Infraestrutura vs transferência de tecnologia e controlo local

Outro aspeto central da relação China-Angola é o modo como os investimentos e contratos são feitos. Apesar das obras vistosas — habitação, estradas, geração de energia — há quem afirme que a transferência tecnológica, o emprego local e o desenvolvimento humano ficam em segundo plano. Por exemplo, o estudo do ISCTE-IUL (em Portugal) aponta que embora mais de 60% dos fundos “modelo Angola” tenham beneficiado o sector energético, a maioria dos contratos chineses utilizava mão-de-obra chinesa ou subcontratações.

Esse padrão reforça a perceção de dependência: Angola beneficia da infraestrutura, mas pouco desenvolve a sua cadeia local de valor, gerando pouca autonomia. Como alertam alguns investigadores, “sem estabilidade e investimento em recuperação secundária dos poços maduros, a tendência é que o país continue vulnerável”. (ln247.news)

Aspeto geoestratégico e poder de influência

A presença chinesa em Angola vai além da economia: é também estratégica. O país, com vastos recursos naturais, localização atlântica e ligações à diáspora lusófona, representa para a China um parceiro crucial no seu projeto global de influência. Em 2024, numa visita à China, o presidente angolano foi recebido por Xi Jinping, que declarou que as empresas chinesas apoiariam a diversificação económica de Angola — agrícola, industrial, não-petróleo. (Reuters)

Por outro lado, essa aproximação suscita preocupações: se Angola adota padrões de financiamento e de cooperação que favorecem largamente o lado chinês, pode perder espaço de manobra diplomática e económica. O artigo do Le Monde sobre o corredor de Lobito salienta que “a corrida aos minerais se joga nos trilhos” e que Angola, rica em cobre e cobalto, enfrenta uma competição entre potências, com risco de exploração mais do que de desenvolvimento. (Le Monde.fr)

O impacto social e as críticas de «neocolonização»

A expressão “neocolonização chinesa” resume uma crítica: embora não haja colonização formal, há um padrão no qual as relações se assemelham aos velhos modelos coloniais — recursos extraídos, dívida elevada, pouca autonomia local. Os críticos afirmam que a China entra com capital, assume contratos, recebe recursos, e muitas vezes sai com mercados preferenciais, deixando o país africano com pouca margem de manobra.

Por exemplo, a Chatham House ressalta que a dívida para Angola apresenta riscos de “stress de dívida” e que a grande exposição à China torna o país vulnerável à mudança de condições externas. (chathamhouse.org) Outro relatório sublinha que o modelo de troca de petróleo por infraestruturas, popular na década de 2000, está a mostrar sinais de desgaste. (ln247.news)

No plano social, a questão é política: quando os benefícios dos contratos chineses ficam concentrados em elites, ou quando os termos do acordo favorecem o exportador de recursos, a população pergunta-se se há de facto desenvolvimento ou mera reprodução de dependência. O debate não é apenas económico — é sobre soberania e dignidade.

Mudanças recentes e uma possível viragem

Em 2024-2025, Angola tomou medidas para modificar o modelo: deixará de contrair empréstimos colateralizados em petróleo, estipula prazos mais longos de reembolso e está a tentar diversificar parceiros. (360angola.com)

Estes sinais foram celebrados por analistas como marca de maturidade. Mas eles frisam que ainda há um longo caminho: a dívida já está feita, os contratos assinados, e a dependência estrutural persiste. A redução da dívida colateralizada não resolve automaticamente os problemas de fundo.

Outro sinal é o protagonismo crescente de outras potências — os Estados Unidos, por exemplo, investem no corredor de Lobito para minerais, numa tentativa de equilibrar a presença chinesa. (Financial Times)

O que Angola perde e o que pode ganhar?

O que se pode perder:

  • Autonomia política: depender demasiado de um credor ou parceiro limita escolhas económicas e diplomáticas.

  • Rentabilização dos recursos: se o acordo favorece largamente a China, Angola recebe menos do que podia, ou assina concessões favorecedoras.

  • Desenvolvimento humano: se a infraestrutura for feita mas não criar emprego local, habilidades e capacitação, o benefício fica limitado.

  • Soberania futura: se a dívida ou contratos estiverem atrelados a obrigações rígidas, o país fica vulnerável a choques externos.

O que se pode ganhar:

  • Infraestrutura necessária: Angola precisava de reconstrução, estradas, habitação, energia — e a China aportou capital.

  • Acesso a financiamento quando outras fontes eram limitadas.

  • Potencial para diversificar com apoio técnico se os termos forem bem negociados.

  • Oportunidade de renegociar dívidas e mudar modelo, como está a ser anunciado.

Conclusão

A relação China-Angola ilustra como a globalização e as grandes potências oferecem oportunidades, mas também riscos estruturais. A noção de “neocolonização” não é pura hipérbole: há elementos reais de dependência, dívida e extração desigual que lembram relações antigas, mesmo que sob a bandeira de cooperação moderna.

Para Angola, o desafio será conseguir que os projetos chineses, os contratos e os empréstimos se transformem em desenvolvimento sustentável — emprego, tecnologia, capacidade local, diversificação económica — e não somente em infraestrutura visível e dívida crescente. A mudança de rumo anunciada é promissora, mas há que monitorar se realmente alterará os fundamentos.

Fontes principais consultadas

  • “Angola is the largest partner economy of China” — Deutsche Welle, 02/09/2024. (Deutsche Welle)

  • “The response to debt distress in Africa and the role of China” — Chatham House Africa Programme. (chathamhouse.org)

  • “Angola’s debt to China holds around US$ 18-22 billion” — 360Angola / VerAngola. (360angola.com)

  • “Angola plans major cut to oil-backed debt to China in 2025” — Further Africa, 29/07/2025. (FurtherAfrica)

  • “How Angola struggles with debt as China’s oil demand drops” — LN247 / analysis. (ln247.news)

  • “China’s Xi willing to work with Angola as it moves on from oil” — Reuters, 15/03/2024. (Reuters)

  • “The race for minerals in Angola is being played on the rails” — Le Monde, 04/05/2025. (Le Monde.fr)

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Por Paulo Muhongo

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POLITICA

10/29/20256 min ler