
Padre Alfredo Mavinga espera «país mais pacífico, mais unido, mais alegre»
Padre Alfredo Mavinga afirmou recentemente esperar «um país mais pacífico, mais unido e mais alegre» com o Congresso Nacional da Reconciliação. As palavras, carregadas de esperança, soam como música a quem deseja acreditar, mas ressoam de forma quase irônica para aqueles que, todos os dias, sentem na pele o peso da realidade. Como reconciliar um país que ainda não se reconciliou consigo mesmo? Como falar de alegria quando tantas famílias ainda comem do lixo, quando jovens e pais permanecem desempregados, escolas permanecem sem carteiras, e hospitais sem médicos nem medicamentos?
A reconciliação é, na sua essência, um ato profundo de justiça. Mas a Angola de hoje ainda caminha em desalinho. As palavras, por mais belas que sejam, não preenchem estômagos vazios nem substituem o esforço do Estado. É urgente que cada discurso seja acompanhado de ação, que cada promessa seja medida pelo seu impacto real na vida dos cidadãos.
O país das desigualdades extremas
Angola é um país rico em recursos naturais. Petróleo, diamantes, gás natural e minerais abundam, e poderiam ser o alicerce de uma sociedade próspera. No entanto, essa riqueza permanece concentrada nas mãos de poucos, enquanto a maioria luta pela sobrevivência diária. O contraste entre os arranha-céus de Luanda e os bairros onde famílias recolhem o que sobra nos caixotes de lixo é a fotografia de um país que ainda não encontrou equilíbrio.
A pobreza não é apenas uma estatística — é um estado permanente de indignidade. E essa indignidade corrói não só o presente, mas também o futuro, ao condicionar gerações inteiras a aceitar a marginalidade como destino inevitável. O fosso entre Luanda e o interior do país, entre ricos e pobres, entre políticos e cidadãos, não é apenas geográfico: é moral e social.
Corrupção: o veneno silencioso
Nenhum discurso de reconciliação pode ignorar o peso da corrupção. Ela transforma o erário público num campo minado, onde desaparecem milhões de dólares sem explicação, enquanto escolas continuam sem carteiras, hospitais sem remédios e estradas ficam intransitáveis.
A corrupção não é apenas um crime financeiro: é um atentado à esperança. Cada recurso desviado é uma criança que não recebe educação, uma família que não come, um doente que não é atendido. A impunidade consolida a injustiça, e enquanto os responsáveis não forem responsabilizados, nenhuma reconciliação terá validade.
O distanciamento entre o poder e o povo
A reconciliação que se apregoa muitas vezes parece falar mais aos líderes do que à população. O Estado está distante da vida real, e o cidadão, muitas vezes, vê-se reduzido ao papel de espectador de um teatro político previsível. A repressão das manifestações pacíficas e o silêncio forçado diante das injustiças sociais tornam a palavra “reconciliação” quase vazia.
A Igreja, embora seja uma voz moral importante, também precisa de realismo. Quando um padre deseja um país mais alegre, deve lembrar-se de que a alegria sem justiça é mera ilusão. A fé deve caminhar lado a lado com a verdade: Deus não desce do céu para suprir as falhas do Estado; cabe aos homens fazê-lo.
O país precisa de justiça social
A verdadeira reconciliação começa no pão que cada cidadão come. Começa na educação, na saúde, na liberdade de expressão, na segurança. Começa quando o dinheiro público é usado para o bem comum, e não para interesses privados.
A educação é o primeiro passo para uma mudança duradoura. Uma escola com carteiras, professores motivados e material didático suficiente é o alicerce de uma sociedade que pretende reconciliar-se consigo mesma. A saúde pública, igualmente, deve ser um direito real: hospitais equipados, médicos presentes, medicamentos disponíveis. A reconciliação só se torna concreta quando o cidadão sente que o Estado cuida dele e que a vida humana tem valor.
A juventude: o motor do futuro
Mais de metade da população angolana tem menos de 25 anos. Essa juventude é energia vital, mas também está perdida em desemprego, falta de oportunidades e descrença no mérito. Um país que não investe na sua juventude compromete o próprio futuro. Programas de formação técnica, incentivos ao empreendedorismo, acesso a oportunidades justas e meritocracia são imperativos para que essa geração não seja condenada à resignação.
O papel do cidadão
Não é apenas o Estado que deve agir. Cada cidadão é responsável pela transformação do país. Recusar a corrupção, valorizar a educação, exigir justiça e direitos, participar do debate público: tudo isso constrói o tecido de uma nação reconciliada.
Ser cidadão em Angola é um ato de coragem. É resistir à tentação do silêncio. É acreditar que a mudança é possível, mesmo diante da desesperança. O futuro será construído por aqueles que ousam dizer a verdade e agir com integridade, não por aqueles que esperam milagres ou soluções externas.
O sorriso do povo
O angolano só sorrirá de forma plena quando sentir que o Estado está ao seu lado. Só quando o dinheiro público for usado com responsabilidade, quando a cesta básica estiver disponível para todos, quando as escolas e hospitais funcionarem, e quando ninguém mais for preso ou morto por se manifestar.
Nesse dia, a reconciliação deixará de ser apenas uma palavra de discurso oficial: será prática diária, visível nos rostos, nas ruas, nos mercados, nas aldeias e nas cidades. A paz será consequência da justiça, a unidade será fruto do respeito, e a alegria será natural, nascida da dignidade.
Conclusão: Reconciliação é responsabilidade coletiva
Padre Alfredo Mavinga deseja um país mais pacífico, mais unido e mais alegre. Essa esperança é legítima, mas não pode substituir a ação. A reconciliação não vem dos altares: nasce na rua, na escola, no mercado, na consciência de cada angolano.
Angola só será verdadeiramente reconciliada quando todos assumirem a sua responsabilidade — do cidadão comum ao dirigente político, do professor ao sacerdote. Só assim, e apenas assim, o país poderá finalmente olhar para o futuro com orgulho e confiança.
O sorriso do angolano não será imposto, nem forçado. Ele nascerá da justiça, da igualdade e da liberdade conquistadas.
E nesse dia, Angola terá, finalmente, cumprido a promessa que a própria fé tanto deseja: um país pacífico, unido e alegre.
💬 E você, o que pensa?
Até quando aceitaremos discursos de esperança enquanto a realidade continua a esmagar o cidadão comum
Mas não será isso uma Utopia?
Por Paulo Muhongo
Padre Alfredo Mavinga espera «país mais pacífico, mais unido, mais alegre»
Padre Alfredo Mavinga espera um país mais pacífico, mais unido e mais alegre em Angola. Mas será isso possível enquanto milhões vivem na pobreza, famílias comem do lixo, escolas não têm carteiras e hospitais não têm médicos? Uma análise crítica da reconciliação e da justiça social em Angola.
POLITICARELIGIÃO
11/6/20254 min ler
