Na realidade de Angola, há um paradoxo quase diário: um povo que celebra estrelas internacionais, como Lionel Messi, com fervor e devoção, mas que permanece silencioso diante da fome, do desemprego e da precariedade de escolas e hospitais. A visita de Messi custou cerca de 12 milhões de dólares — recursos que poderiam ter sido investidos em saúde, educação ou infraestrutura. Ainda assim, milhares de cidadãos festejaram como se isso fosse a maior conquista do país.

Essa atitude revela um problema estrutural: quando o povo abdica da consciência, o governo abdica da responsabilidade. O silêncio, a passividade e o imediatismo tornam-se permissivos e reforçam um ciclo de negligência institucional. Não se trata de apontar um partido ou líder específico, mas de analisar a sociedade e a forma como tolera injustiças.

O silêncio como consentimento

O povo angolano tem o poder de exigir mudanças, mas, muitas vezes, abdica desse poder. O silêncio é cúmplice: ele legitima decisões arbitrárias, desvios de recursos e a má gestão pública. Nos últimos anos, eventos milionários promovidos pelo governo, muitas vezes em parceria com empresas privadas ou celebridades, têm servido mais como espetáculo do que como instrumento de desenvolvimento social.

Artistas locais, como Brigadeiro 10 Pacotes e MC K, têm usado suas músicas para despertar a consciência dos cidadãos, denunciando desigualdade, corrupção e injustiça. No entanto, grande parte da população continua adormecida, embriagada por cada show ou evento do MPLA, e nos dias seguintes retorna à rotina de precariedade, fome e descaso. O esforço desses músicos mostra que o problema não é a falta de alerta, mas a incapacidade do povo em reagir.

Essa passividade é histórica e cultural. Décadas de colonização, guerra civil e instabilidade política moldaram comportamentos de resignação. Aprendemos, muitas vezes, a aceitar a injustiça e a esperar que soluções externas apareçam, seja do governo, de ONGs ou de celebridades internacionais.

Celebrar distrações enquanto o essencial é ignorado

Eventos milionários, shows e festas políticas são transformados em entretenimento coletivo, desviando atenção de problemas estruturais. Enquanto milhões de dólares são gastos em 90 minutos de espetáculo, milhões de angolanos seguem privados do básico:

  • Educação: escolas sem infraestrutura, professores mal pagos, materiais escolares insuficientes.

  • Saúde: hospitais sem equipamentos, medicamentos e profissionais capacitados.

  • Desemprego: jovens sem oportunidades, crescimento econômico lento e informalidade elevada.

  • Desigualdade social: comunidades rurais e periféricas sofrem abandono quase total.

A visita de Messi exemplifica esse paradoxo. Enquanto parte do país festejava, a outra parte enfrentava a fome e a falta de acesso a serviços básicos. A prioridade dada ao espetáculo simboliza a inversão de valores que caracteriza a sociedade: o efêmero é mais importante do que o essencial.

A responsabilidade do governo e a influência da passividade

O governo, por definição, tem responsabilidade sobre a sociedade. Mas quando a população abdica da consciência, a responsabilidade se dilui. Sem pressão popular, recursos públicos vão para onde o governo deseja, independentemente da urgência das necessidades da população.

A falta de cobrança ativa cria um ciclo:

  1. Investimento em entretenimento e celebridades: shows, festas políticas e eventos esportivos milionários.

  2. Aprovação popular momentânea: a população se distrai, vibra e legitima o gasto.

  3. Negligência estrutural: escolas, hospitais e políticas sociais permanecem subfinanciados.

É um reflexo direto do comportamento coletivo: enquanto o povo se distrai e abdica da ação, o governo governa sem freios.

Cultura, educação e espiritualidade como base da passividade

A passividade do povo angolano tem raízes profundas:

  • Cultura do imediatismo: o povo prioriza prazeres e necessidades imediatas, como entretenimento, em detrimento de lutas estruturais.

  • Educação limitada: falta acesso a pensamento crítico, histórico e cívico, impedindo a população de compreender mecanismos de poder.

  • Resignação espiritual: a fé, muitas vezes, leva à espera de soluções externas, ao invés de ação concreta.

O resultado é uma população que aceita injustiças, celebra distrações e adia mudanças que poderiam transformar a sociedade.

O preço da indiferença

O custo da passividade é alto:

  • Vidas continuam afetadas pela pobreza e falta de acesso a serviços básicos.

  • A desigualdade social permanece estrutural e difícil de reverter.

  • A cultura do espetáculo substitui a cultura da cidadania, legitimando políticas ineficientes e recursos mal aplicados.

Celebrar Messi ou outras celebridades não deveria ser incompatível com exigir dignidade, educação, saúde e justiça. Mas a realidade mostra que, em Angola, a distração supera a consciência.

Caminhos para a mudança

A mudança começa com a consciência individual e coletiva:

  1. Questionar, analisar e debater decisões do governo.

  2. Cobrar transparência e responsabilização de gestores públicos.

  3. Participar ativamente em associações, movimentos sociais e iniciativas cívicas.

  4. Priorizar direitos essenciais sobre entretenimento passageiro.

Artistas, músicos e jornalistas já alertam, mas sem ação popular, a negligência continuará sendo tolerada.

Conclusão

O problema não é Messi, nem artistas ou celebridades. O problema é o povo angolano, que abdica da consciência, se distrai com o efêmero e permite que o governo abdique da responsabilidade. Artistas como Brigadeiro 10 Pacotes e MC K tentam alertar, mas a passividade coletiva permanece.

Quando o povo abdica da consciência, o governo abdica da responsabilidade. Esta não é uma frase de efeito: é uma realidade observável em cada decisão não contestada, em cada recurso público mal aplicado e em cada celebração que ignora o essencial.

A mudança exige coragem, consciência e ação. Até lá, continuaremos a ser um povo especial: celebrando estrelas que pouco nos veem, enquanto deixamos de lutar pelo país que realmente merecemos.

Quando o povo abdica da consciência, o governo abdica da responsabilidade

Por Paulo Muhongo

💬 E você, o que pensa?

Até quando o povo angolano continuará celebrando o efêmero e permitindo que a sua dignidade seja negligenciada?

Quando o povo abdica da consciência, o governo abdica da responsabilidade

Quando o povo abdica da consciência, o governo abdica da responsabilidade. Saiba como eventos milionários, pobreza crescente e falta de consciência cidadã impedem o progresso de Angola.

POLITICAECONOMIA

11/15/20254 min ler