A assinatura do contrato entre Angola e o grupo alemão Lufthansa, anunciada a 5 de Novembro de 2025, representa um anúncio de ambição estratégica para a companhia aérea de bandeira do país. O ministro dos Transportes, Ricardo Viegas d’Abreu, declarou que esta parceria com a Lufthansa “formaliza ao mais alto nível esse compromisso” para apoiar a reestruturação da TAAG , Linhas Aéreas de Angola e transformá‑la numa “companhia de bandeira de referência” para o continente africano.

Apesar do entusiasmo do anúncio, subsiste uma questão que domina o debate: quanto do erário público será dedicado a financiar essa consultoria estrangeira? A resposta não é clara, o governo escusou‑se a revelar o montante, afirmando apenas que se trata de “um investimento dentro dos padrões adequados”. Esta ausência de transparência lança uma sombra sobre uma iniciativa que, em teoria, visa modernizar a TAAG e colocá‑la no mapa da aviação africana.

O passado e o presente da TAAG

Criada em 1938, a TAAG foi durante décadas um símbolo de soberania nacional e de ligação internacional de Angola. Mesmo com períodos de expansão, a companhia vem enfrentando dificuldades operacionais e financeiras: manutenção insuficiente, frota envelhecida, problemas de gestão e competitividade reduzida frente a rivais africanas e internacionais.

Hoje, a TAAG detém uma grande quota de mercado em Angola, cerca de 90% a nível nacional, e cerca de 70% nas ligações internacionais, segundo dados oficiais do ministério. Essa liderança traz responsabilidades acrescidas: a reestruturação não é apenas uma questão de companhia aérea, mas um passo estratégico para posicionar Luanda como hub de conectividade regional e internacional.

O que envolve o contrato com a Lufthansa

O acordo anunciado apresenta várias frentes de intervenção: melhoria da governança corporativa, áreas comercial, de manutenção e engenharia, formação de pessoal, operações e apoio na definição de rotas relevantes. Todo este conjunto está alinhado com a ambição de transformar o novo Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto num centro de tráfego aéreo de relevo na região.

Ao mesmo tempo, já existe uma componente concreta de manutenção: a TAAG assinou com a subsidiária Lufthansa Technik AG um contrato para prestação de serviços à sua frota moderna, os Boeing 787‑9 e 787‑10, e os Airbus A220 que estão a ser entregues. O acordo cobre ‘Total Component Support’ (TCS) e um Programa de Inspeção de Produção de Aeronaves (APIP) por um período de 12 anos.

Entretanto, não há divulgação pública dos valores financeiros desse contrato de reestruturação ampla com a Lufthansa Consulting, o que impede uma avaliação completa do custo‑benefício. A pergunta inevitável é: o investimento justifica‑se? E, mais importante, qual será o legado para a TAAG no longo prazo?

Não seria melhor apostar na capacitação nacional?

Uma das dimensões mais delicadas desta parceria é a questão da capacitação local. A TAAG já conta com técnicos, engenheiros, pilotos e gestores com formação e experiência internacional. O verdadeiro desafio talvez não seja a falta de capacidade técnica, mas a existência de um ambiente institucional que permita à equipa angolana exercer autonomia, definir rotas, gerir operações e implementar reformas com firmeza.

Especialistas em aviação africana têm chamado a atenção para o facto de que “consultants can’t fix airlines alone”. Sem estruturas internas sólidas, processos de absorção de conhecimento e cultura de reforma, a dependência de consultoria estrangeira pode gerar resultados pontuais, mas não sustentáveis.

Para Angola, a chave pode estar em garantir que este contrato com a Lufthansa seja um meio para transferir know‑how e fortalecer as equipas nacionais, e não meramente um “pacote de serviços” pagos ao estrangeiro.

Exemplos de nações africanas que recorreram ao mesmo modelo

Olhar para outros exemplos na África ajuda a lançar luz sobre os riscos e oportunidades deste tipo de modelo. A ECAir, da República do Congo, por exemplo, contou com o apoio da Lufthansa Consulting no arranque da companhia em 2011. Embora o lançamento tenha sido bem‑sucedido, persistiram desafios de sustentabilidade financeira e operação eficiente, o que demonstra que o apoio externo não elimina as restrições internas.

Por outro lado, a Ethiopian Airlines exemplifica um caso de sucesso que apostou fortemente na formação e na autonomia da equipa nacional, transformando‑se numa das mais eficientes e rentáveis companhias aéreas do continente. Esses contrastes evidenciam que, além da parceria internacional, o que determina os resultados são a qualidade da gestão, a solidez institucional e a capacidade de absorver conhecimento.

Reflexão analítica sobre soberania e investimento público

Este tipo de parceria coloca sobre a mesa uma reflexão profunda sobre soberania e estratégia de Estado. Ao recorrer a uma consultoria estrangeira para reestruturar a companhia nacional, Angola assume que há um gap técnico ou organizacional que requer intervenção externa — o que por si só não é negativo, mas torna‑se sensível se não vier acompanhado de capacitação nacional.

Quando o investimento é público e os resultados esperados de natureza estratégica, a transparência deve acompanhar cada passo. Os valores, as metas, os indicadores de desempenho e os benefícios esperados deveriam estar claros à sociedade. A ausência desses elementos deixa o campo aberto à dúvida: estamos a construir um legado ou a perpetuar uma dependência?

Este contrato com a Lufthansa pode tornar‑se um motor de modernização da TAAG, mas também pode ser interpretado como um sinal de que o Estado ainda não acredita suficientemente nos seus próprios técnicos e gestores. O verdadeiro teste será se, após o término do contrato, a TAAG será capaz de operar com as suas próprias competências e gerir as suas decisões estratégicas sem assistência externa prolongada.

Capital humano e cultura institucional

A modernização da frota, a manutenção eficiente e a expansão de rotas são objetivos essenciais, mas o investimento decisivo reside no capital humano e na cultura institucional da companhia. Formar pilotos, engenheiros e gestores competentemente; criar canais de progressão; valorizar o mérito; dar autonomia, estes são os alicerces de uma transformação duradoura.

Se a TAAG e o Estado angolano assegurarem que este contrato com a Lufthansa inclua cláusulas de transferência de conhecimento, capacitação intensiva e metas claras de autonomização, então o investimento terá valor. Caso contrário, o risco é de que os resultados fiquem concentrados apenas nos relatórios e apresentações, sem impacto real no dia‑a‑dia da companhia.

Conclusão

Angola está em momento decisivo. A assinatura do contrato com a Lufthansa marca uma oportunidade, mas também impõe responsabilidades elevadas. O sucesso dependerá da forma como a companhia e o Estado manejarão esta parceria: se como catalisador de mudança ou como tábua de salvação temporária.

O verdadeiro custo deste investimento público não será mensurado apenas em valores pagos, mas na capacidade do país de absorver o conhecimento, transformar as suas instituições e gerir a TAAG com autonomia, eficiência e visão estratégica. Quando isso acontecer, a companhia poderá voar com asas próprias. Até lá, a sociedade tem o direito de acompanhar, questionar e exigir resultados.

Quanto do erário público será destinado a pagar a consultoria estrangeira Lufthansa?

Por Paulo Muhongo

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POLITICAECONOMIA

11/6/20255 min ler