
Ressonâncias de um Sonho Lisboeta
Num recanto sereno do Museu do Azulejo, um escritor angolano — apaixonado por Lisboa e pela vida — contempla o mundo com os olhos da alma, entrelaçando o real e o sonho numa melodia de sentidos.
POESIA
5/21/20251 min ler
Sonho com uma paz —
silenciosa e imensa —
Mesmo quando o relógio louco do mundo
cospe engrenagens enferrujadas.
A manhã estende-se,
O céu de Lisboa desenrola-se como seda azul.
Sento-me, calado,
no jardim esquecido do Museu dos Azulejos.
Entre os dedos: uma taça de frutos,
as suas cores escorrem à luz.
Uma tela suspensa tapa o céu —
mas há frestas,
e as setas douradas do sol atravessam-me
como hinos mudos.
Fecho os olhos.
Os perfumes falam-me melhor do que os sons.
As almas dos que passam roçam-me,
e eu flutuo,
num devaneio doce, desperto, irreal.
O vento murmura —
e mil línguas deslizam no ar,
estranhas, líquidas,
como rios que não sei nomear.
Ao longe: os gritos das crianças,
das escolas próximas,
os seus risos vibram numa língua
que reconheço sem compreender.
Português?
Talvez —
Mas as palavras têm o frescor das nascentes,
a insolência da infância,
e o meu espírito lógico afoga-se nelas.
Estou ali,
perdido entre vozes,
os perfumes das flores,
e a doçura ácida dos frutos
de que mal provei algumas colheradas.
De repente —
O real irrompe!
Os martelos da obra martelam o silêncio.
Lisboa, velha amante enrugada,
rejuvenesce-se
pelas mãos do turismo.
Abro os olhos —
e vejo-a.
Uma mulher —
Ou talvez um anjo,
descido das vielas do céu.
Vestido branco, sandálias de sombra e couro claro,
Ela caminha,
e a sua voz dança com os passos.
Ela é harmonia.
O seu andar é o da Palanca Negra,
a besta sagrada das minhas terras.
O seu olhar toca-me
— e atravessa-me —
com uma ternura desconhecida.
Ela sabe.
Ela sabe que a sonho.
Ela sorri.
E o meu coração, ofegante,
interroga o vazio:
Ainda estou aqui?
Ou é isto que vejo que continua a sonhar?