
Toca o alarme, um último abraço


Escritor
Às 7h45, o alarme
fere o sonho.
Ainda assim, nossos corpos
se reconhecem no escuro,
pronunciam-se em silêncio
no idioma antigo do toque.
Abraçamo-nos.
O mundo suspenso entre respirações,
beijos que demoram,
mãos que pedem tempo
ao tempo.
Sussurramos um adeus
que ainda não ousa existir.
Dez minutos —
e neles cabe a eternidade.
Sem querer, desato-me de ti
e, antes da porta, detenho o passo:
teu corpo nu repousa na penumbra,
escultura viva,
luz moldada em carne.
Na cozinha, o chá fuma
como se imitasse meu peito.
No sofá, recolho-me
com o teu cheiro ainda em mim.
Pouco depois, entras na sala
como aurora tardia,
raio que floresce
na bruma do inverno.
Teus lábios encontram os meus
antes que o dia desperte.
E por um instante —
apenas um —
o mundo esquece
que precisa seguir.
Paulo Muhongo


