A visita oficial do Presidente da República Federal da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, a Angola marca o início de um novo ciclo diplomático e económico entre os dois países. Mais do que uma simples viagem de Estado, trata-se de um gesto de confiança e de reposicionamento estratégico da Alemanha em África, num momento em que o continente ganha crescente relevância nas políticas energéticas e industriais europeias.

Durante três dias, Steinmeier cumpre uma agenda intensa em Luanda e no Huambo, focada na cooperação energética, científica e educacional. O programa inclui uma cerimónia oficial no Palácio Presidencial, a deposição de uma coroa de flores no sarcófago de Agostinho Neto e encontros com empresários e académicos. No Huambo, o Presidente alemão deverá visitar instituições de ensino técnico e projetos ligados à sustentabilidade ambiental.

Esta visita insere-se numa estratégia mais ampla de Berlim, que procura fortalecer laços com países africanos considerados estáveis e economicamente promissores. Angola, pela sua localização, pelos recursos naturais e pelo seu peso regional, ocupa um lugar central nessa política.

Um relacionamento com raízes históricas

As relações entre Angola e a Alemanha remontam ao século XIX, quando Berlim participou na Conferência de 1884-1885, onde as potências europeias dividiram o continente africano. Ainda que Angola tenha permanecido sob domínio português, a Alemanha manifestou desde então interesse pela região, sobretudo devido ao seu potencial económico e estratégico.

Durante a Guerra Fria, a República Democrática Alemã (RDA) manteve laços estreitos com o recém-independente Estado angolano, apoiando a formação técnica de centenas de estudantes e profissionais. Essa cooperação educativa criou um vínculo humano que perdura até hoje, através de antigos estudantes angolanos formados em universidades da antiga Alemanha Oriental.

Com a reunificação alemã em 1990, as relações bilaterais foram ajustadas à nova realidade política. A partir de 2002, após o fim da guerra civil em Angola, a Alemanha retomou o diálogo com Luanda, procurando construir uma parceria económica e diplomática moderna, centrada em interesses comuns e em benefícios concretos.

A Parceria Abrangente e o novo dinamismo económico

Em 2011, os dois países formalizaram a Parceria Abrangente Angola-Alemanha, criando um quadro institucional para coordenar iniciativas nas áreas de comércio, investimento, ciência e tecnologia.

Esta parceria abriu as portas à presença de empresas alemãs no mercado angolano, sobretudo nos setores de engenharia, energia, transportes e tecnologia industrial. Ao mesmo tempo, deu impulso à instalação do Escritório de Representação da Câmara de Comércio e Indústria Alemã em Luanda, destinado a facilitar o diálogo empresarial e a apoiar investidores.

Apesar deste avanço, as trocas comerciais continuam desequilibradas. Em 2024, a Alemanha exportou para Angola 275,2 milhões de euros em bens, enquanto as exportações angolanas para o mercado alemão atingiram 192,3 milhões de euros, uma queda de quase 46% em relação ao ano anterior.

A pauta comercial alemã é composta essencialmente por máquinas, equipamentos industriais, produtos alimentares e material elétrico. Em contrapartida, as exportações angolanas continuam fortemente concentradas no petróleo, que representa 98,5% do total.

Investimento direto e desafios estruturais

O investimento direto alemão em Angola ainda é modesto. Em 2023, situou-se em 13 milhões de euros, abaixo dos 20 milhões registados em 2022. A Alemanha é conhecida pela cautela na alocação de capitais, privilegiando mercados com elevado grau de previsibilidade e estabilidade jurídica.

Em Angola, apesar das reformas económicas e legais em curso, os investidores continuam a enfrentar entraves burocráticos, volatilidade cambial e incertezas regulatórias. Ainda assim, Berlim vê sinais de progresso e reconhece o esforço do governo angolano em melhorar o ambiente de negócios.

Nos últimos anos, o executivo de Luanda tem implementado medidas de simplificação administrativa, atração de investimento e combate à corrupção. A diversificação económica e a aposta na industrialização fazem parte da nova visão estratégica, que encontra eco no modelo alemão de desenvolvimento sustentável e tecnológico.

A energia e o futuro: o hidrogénio verde como ponte

Entre os domínios mais promissores da cooperação destaca-se o hidrogénio verde, uma das apostas centrais da transição energética global.

A Alemanha é líder europeia neste setor e procura parcerias em África que garantam fornecimento estável e sustentável de energia limpa. Angola, com o seu potencial hídrico e solar, surge como candidato natural a integrar essa cadeia.

Em 2022, foi assinado um memorando de entendimento para o desenvolvimento conjunto de projetos-piloto de hidrogénio verde em território angolano. A iniciativa prevê a transferência de tecnologia, formação de quadros locais e exportação do combustível para o mercado europeu.

Especialistas alertam, contudo, que Angola deve garantir que esta parceria não repita o padrão do setor petrolífero, em que o valor agregado é produzido no exterior. É essencial assegurar que parte da cadeia produtiva e dos lucros permaneça no país, promovendo emprego e inovação local.

O pilar do conhecimento: educação e ciência

A visita de Steinmeier inclui também uma passagem pelo Centro de Ciência de Luanda, símbolo da cooperação científica e tecnológica entre os dois países.

A Alemanha tem apoiado programas de formação técnica e universitária em Angola, sobretudo nas áreas de engenharia, energias renováveis e gestão de recursos naturais. Muitos estudantes angolanos continuam a frequentar universidades alemãs através de bolsas e acordos bilaterais, fortalecendo a ligação humana e intelectual.

Para Berlim, o investimento em educação é uma via eficaz de diplomacia e desenvolvimento. Para Luanda, representa a oportunidade de formar quadros altamente qualificados e reduzir a dependência de consultores estrangeiros.

A perspetiva económica e política

De acordo com analistas europeus, a visita de Steinmeier reforça a intenção da Alemanha de se afirmar como um parceiro económico confiável em África, num contexto global de reconfiguração energética.

A guerra na Ucrânia acelerou a busca por novas fontes de energia e matérias-primas, levando Berlim a olhar com maior atenção para o continente africano. Angola, com a sua estabilidade política e reservas significativas de petróleo, gás, diamantes e potencial agrícola, ocupa um papel estratégico nesse processo.

Por outro lado, analistas angolanos sublinham a importância de garantir reciprocidade. O economista Francisco Nunda lembra que “a cooperação deve incluir mecanismos concretos de transferência de tecnologia e de industrialização local. Não basta exportar matérias-primas. Angola precisa de produzir, transformar e inovar.”

Desafios e oportunidades para Angola

A nova etapa das relações Angola-Alemanha oferece múltiplas oportunidades, mas também exige visão estratégica e capacidade de execução.

Para tirar proveito deste momento histórico, Angola deve:

  1. Diversificar as exportações, reduzindo a dependência do petróleo e apostando em setores como agricultura, indústria alimentar, mineração e energias renováveis.

  2. Criar um quadro jurídico previsível e transparente, que incentive o investimento estrangeiro.

  3. Apostar fortemente na formação técnica e científica, aproveitando a cooperação alemã para criar centros de excelência.

  4. Negociar transferência de tecnologia em todos os acordos industriais e energéticos.

  5. Promover a produção local de equipamentos e componentes, gerando emprego e valor interno.

A Alemanha, por sua vez, pode beneficiar de um parceiro africano estável, com abundância de recursos e localização estratégica para exportação e logística regional.

Uma parceria para o futuro

A visita do Presidente Frank-Walter Steinmeier a Angola é, portanto, mais do que um evento diplomático. Representa o início de uma nova etapa nas relações bilaterais, marcada pela confiança, pelo diálogo e pela busca de um modelo de cooperação sustentável.

Para a Alemanha, é uma oportunidade de consolidar a sua presença em África através de investimentos éticos, tecnológicos e de longo prazo. Para Angola, é o momento de transformar o potencial económico em progresso real, promovendo a industrialização e o desenvolvimento humano.

A história das relações entre Luanda e Berlim é feita de aproximações graduais, avanços e recomeços. Agora, com os ventos da transição energética e do crescimento africano a soprar com força, ambos os países parecem prontos para escrever um novo capítulo de cooperação, conhecimento e prosperidade partilhada.

A visita de Steinmeier e o novo ciclo diplomático

Por Paulo Muhongo

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Steinmeier em Angola: um novo impulso económico

A visita de três dias do Presidente alemão Frank-Walter Steinmeier em Angola simboliza um novo ciclo diplomático e económico. A Alemanha reforça a sua presença em África enquanto Angola procura atrair investimento estrangeiro e consolidar parcerias no setor energético, tecnológico e científico.

POLITICAECONOMIA

11/5/20256 min ler