
Xé kambas – Amanhã, não me esperem
Um poema de partida e de regresso, onde o exílio dá lugar ao apelo das origens. Demain é uma canção de amor à mãe, à memória e ao que nos traz de volta a nós próprios.
POESIA
5/19/20251 min ler
Amanhã — não, amanhã serei apenas vento entre os ventos.
Ouvistes bem: não me esperem.
Parto —
Para onde o céu se dissolve no oceano,
Onde a alvorada derrama lágrimas
nas asas dos aviões.
Parto.
Sobrevoo o Atlântico.
Regresso…
aos braços daquela que me gerou,
e que, por dez anos de betão, distância e febre,
me foram negados.
Minha mãe.
Ó fonte! Ó matriz!
Faltaste-me mais do que o próprio ar.
Dona Isabel,
Não toqueis à minha porta —
Ela não responderá.
Será apenas um tilintar oco,
Um sussurro contra paredes caladas.
Senhor Joaquim,
Não procureis luz na minha janela.
Não estou doente —
Estou vivo!
Nos braços quentes da ternura materna.
Tu, vizinho músico,
Sopra a tua trombeta em direcção ao céu —
Solta o vinho e o ritmo!
Mas não me esperes à janela:
Estarei noutra melodia…
Naquela que nasce das histórias que minha mãe
conta baixinho, à luz da noite.
Sim, vou.
Vou para onde o meu nome foi primeiro sussurrado,
Onde o ventre sagrado me deu forma.
Sentar-me-ei aos pés da minha avó Madalena,
E mesmo que os seus olhos chorem por não embalar um neto,
nem ter uma nora a abençoar…
Ela saberá.
Ela verá.
Ela reconhecerá o filho que regressa.
E eu sei —
Quando os nossos olhares, pesados de pó e de anos,
se cruzarem,
Choraremos.
Não de tristeza — não —
Mas desse silêncio antigo,
que corrói os que quase deixaram de acreditar.
Irmãos meus!
Primos!
Abraçar-vos-ei
com a força de quem foi mordido pelo exílio —
E tentarei, como puder,
fechar as fendas do tempo.
Xé kambas,
Não me esperem amanhã.
Não estarei nas reuniões,
nem nas caminhadas de pregação sob o céu.
Estarei lá,
Onde aprendi o Nome d’Ele.
Onde a Palavra me abriu as veias.
Com aquele irmão —
Que, sem jamais levantar a voz,
acendia as Escrituras
como se acende um fósforo na escuridão de um menino.
E voltarei,
Mas jamais serei o mesmo.